... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 15, 2021

Dia dos Namorados tríplice

Já ouviram dizer “O Natal é quando um homem quiser”? Parece que o Dia dos Namorados também. Este último com maior razão, porque não tem a mesma data em todo o planeta. Namorados, atentai: caso queiram celebrar estas datas todas, saibam que elas estão convenientemente espalhadas no calendário para que nunca se apague a chama de que já falava Dido na Eneida.

A razão pela qual me lembrei disto agora é que o Dia dos Namorados se celebra no Verão aqui onde moro. Mas começo pelo Brasil, que celebra a data em Junho. Isto ocorre no país desde 1948; é uma tradição já bem enraizada. Não deixa de ser curioso que, estando os brasileiros bem próximo dos Estados Unidos, tenham escolhido outra data para a celebração do seu Dia dos Namorados, resistindo à invasiva e persistente influência americana.

Tudo começou por causa dos portugueses. Os lisboetas sabem a importância do Santo António, padroeiro de Lisboa, que dá à cidade o feriado municipal de 13 de Junho. Na noite anterior, as ruas de Lisboa estão cheias de balões, marchas, sardinhas assadas na brasa e manjericos com quadras populares. O Santo António é, tradicionalmente, o santo casamenteiro. Não só existe a tradição dos casamentos comunais que ainda hoje se practicam em Lisboa – as “noivas de Santo António” – como há diversas lendas que o catalogam como padroeiro dos casalinhos. É desta devoção ritualística ao Santo que nasce a ideia brasileira do Dia dos Namorados a 12 de Junho.

Porém, não podemos esquecer que o Dia dos Namorados tal como hoje se vivencia é puro marketing. A religião só deu o empurrão. A verdadeira motivação foi incentivar o volume de vendas das lojas, já que estas, em Junho, apresentavam o maior défice de todo o ano. Foi assim que em 1948, o publicitário brasileiro João Dória, dono de uma agência de marketing, organizou uma imensa campanha para promover esse Dia dos Namorados em Junho… com tanto sucesso que, ano após ano, o dia se vem mantendo no Brasil inteiro. Com criativos assim, não há depressões económicas.

Na China e em Taiwan, o Dia dos Namorados é no Verão. Aliás, na China há seis datas que configuram o “Dia dos Namorados” porque as mulheres chinesas não são para brincadeiras no que respeita a receber prendas materiais– mas isso demora muito a explicar. O que usualmente se designa como Dia dos Namorados é o “Duplo Sete” ou “Festival Qixi”, que calha no dia sete do sétimo mês – o calendário é lunisolar, portanto variável, porém geralmente até acontece em Agosto. Não é um Dia mas sim uma Noite dos Namorados, simbolizando o encontro de duas estrelas que são os namorados celestes: Vega e Altair, que “se olham sem poder comunicar”.

A lenda diz que Altair era um órfão que pastoreava uma vaca falante. A vaca disse-lhe que ele veria uma fada vinda dos céus. A fada, nada menos do que Vega, era uma tecedeira celestial, que o visitou, e que sempre tinha de regressar ao reino celeste. Os dois apaixonaram-se, mas o imperador dos céus proibiu-os de se encontrarem. Para melhor dificultar, colocou uma galáxia entre ambos. Porém, como Altair era persistente acabou por se transformar em estrela. Há apenas uma noite onde conseguem estar frente a frente. Essa é a Noite dos Namorados. Como veem, as lendas chinesas são muito dramáticas e nem sempre acabam bem.

Por último, não quero deixar de mencionar o famoso Valentine’s que, na realidade, começou por ser San Valentino, já que o Santo era romano e, inclusive, bispo. Contra as ordens do Imperador da época – que acreditava que o celibato tornava os homens melhores combatentes - Valentim celebrava casamentos e era muito apreciado por todos os parzinhos. Foi encarcerado pela sua desobediência e aqui começa uma lenda que nos diz que o próprio Valentim se apaixonou pela filha de um dos carcereiros. A jovem deixou de ser cega pela acção milagrosa do amor de Valentim. Isto não o livrou da morte, mas consta que terá escrito várias cartas à sua amada.

A tradição das cartas viria a ser recuperada na Idade Média, altura em que se começou a celebrar o Dia dos Namorados na data da morte de Valentim, data que, em Fevereiro, coincidia com o acasalamento dos passarinhos e anunciava a fecundidade. Daqui até ao marketing de cartões, flores, bombons e cupidos de hoje foi um beijinho.

Não faltam, assim, dias para celebrar o namoro… ou os namoros. Isto porque, se algum dos leitores for como o meu avô, que chegou a ter três namoradas ao mesmo tempo, a logística complica-se. Sobretudo agora com a internet. É um passaporte via única com destino à desgraça.