Desde há algum tempo que o slogan “Free Britney” aparece. Mas afinal o que é este complexo caso de Tribunal sobre o qual as opiniões públicas (e algumas púdicas) tanto mudam? Não sendo fã de Britney Spears, acho incrível que tal se passe num país do primeiro mundo.
A maior parte das pessoas sabe quem é Britney Spears. Uma cantora
americana, hoje com 39 anos, que no fim dos anos 90 e princípios dos anos 2000
era apelidada de “Princess of Pop”, tal foi o seu estrondoso sucesso mundial
durante a sua época teen. Britney guarda até hoje o recorde de ter sido a
artista teenager que mais discos vendeu: só numa semana e só nos E.U.A. chegou
a vender mais de 1.3 milhões. Dançava, fez um filme, beijou a Madonna numa
entrega de prémios escandalizando meio mundo, e apostou numa imagem metade
adolescente naive metade símbolo sexual, mistura que fez a cabeça de muita
gente andar fantasiosamente à roda.
Em meados de 2000, Britney tinha coisas em excesso, nomeadamente dinheiro e
gente atrás dela. Não se deu bem nos casamentos – não consta que seja crime. Em
2006, numa fuga aos paparazzi, Britney apareceu numa foto com o filho pequeno
ao colo, guiando um carro. Foi o princípio do fim, pois logo ali se disse que
Britney era inconsciente, péssima mãe e pouco faltou para ser assassina em
potência. É curioso que nós, infância dos anos 80, vivemos essas situações aos
olhos de hoje ditas perigosas. Claro que, na época, os nossos pais não viviam a
ameaça social do online (só os mexericos das vizinhas) e havia talvez menos
interesse, para o mal e para o bem, no drama doméstico. Voltando à Britney. Nos
dois anos subsequentes, Britney tornou-se irreconhecível. Rapou totalmente a
cabeça, perdendo o ar de ninfeta angelical e tornando-se militarizada. Perdeu a
custódia dos filhos para o ex-marido – não foi revelado o porquê. Internou-se
voluntariamente em centros de terapia após a morte da sua grande amiga. Ficou
mesmo um dia único num centro de reabilitação de drogas. Porém, foi sempre
continuando com álbuns e espectáculos… ou seja, fazendo dinheiro abundantemente.
Em 2008, Britney recusou entregar os filhos ao ex-marido após uma visita.
Aqui, começa uma história que não tem ponta racional por onde se pegue. Dada a
sua recusa, foi levada para um Hospital e diagnosticada como estando sobre a
influência de algo. O mais interessante é que o Hospital Cedars-Sinai (que é
uma instituição de renome na Califórnia) não foi capaz de especificar a
substância que tanto teria alterado a cantora. Não sou médica, mas a ciência de
hoje em dia, num local que se preze, e tendo em conta a situação, não pode
simplesmente dar respostas destas. Ou bem que identifica a substância – o que
certamente pode fazer, dentro do país e recursos que tem – ou então não pode
afirmar que a pessoa está afectada por gambozinos. Segue-se que Britney foi
então colocada na psiquiatria do Ronald Reagan UCLA Medical Center por ordem do
Tribunal, ou seja, foi compulsoriamente internada pelo Tribunal numa ala
psiquiátrica. Cinco dias depois saiu. Isto foi apenas o começo.
Britney continuou a fazer milhões e a ganhar prémios. Porém, desde que fora
compulsivamente internada, o Tribunal colocara Britney, a fazedora de milhões
adulta e vacinada, sob uma “conservatorship”, figura legal que atribui um
guardião a alguém como se esse adulto fosse um menor. Pode acontecer porque a
pessoa é muito idosa, incapaz ou deficiente mental. No caso de Britney,
qualificaram-na como “louca”. Então, o guardião apontado passou a ser o seu pai
bem como o advogado deste. Havia duas questões nesta tutela: uma era
administrar o dinheiro de Britney; outra era administrar todas as decisões
relativas à sua vida pessoal. Isso mesmo. A partir daí, e até hoje, esta mulher
– a quem, sublinhe-se, nenhuma perturbação mental ou vício foi diagnosticado –
não pode namorar, usar anti-concepcionais, mudar de casa, mudar a decoração da
sua casa, mudar o estilo da sua imagem, viajar, etc, sem que o pai ou o
advogado deem autorização. Pequena nota relevante: é também do dinheiro que
esta mulher faz que estes gajos vivem diariamente.
Em 2019, o pai de Britney confessou ter problemas de saúde e pediu para que
a tutela passasse para outro tutelar – mas não que acabasse, porque interessa
dominar a moça! E só aí Britney veio a público confessar que gostava de ter
filhos, mas o pai não lhe permitia retirar o DIU, e outras atrocidades que nos
fazem pensar se não será caso para avaliar o Sr. Spears em vez da filha, cujo
maior “pecado” é claramente viver em fusão com um pai ultra dominador.
Como é que estas coisas se passam no século 21? Afinal, a escravatura não
acabou, só mudou de forma.