... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 29, 2021

Assassina silenciosa

Tenho grandes reticências em relação aos números desta epidemia, por comparação a outras epidemias. O que é inegável é que uma das consequências deste vírus é a restrição de contacto entre as pessoas por todas as formas: não veja X, não toque em X, não se desloque até X, não receba X em sua casa, veja os seus parentes através de um vidro, toque nos seus amigos com luvas. Isole-se dos outros para evitar o “bicho” invisível. Um vírus que, supostamente, terá escapado de um laboratório e assim infectado o mundo inteiro, mas que nós acreditamos que as nossas máscaras vão manter à distância. Ou bem que a primeira premissa não é verdade ou bem que a segunda não é real; porque as duas juntas são absurdas.

O problema do isolamento é só este: a solidão (também) mata. Não precisa de outra co-causa para matar. Por si só, o isolamento e a solidão que daí advém são fatais. Há muito que a ciência o sabe.

A psico-biologia vem demonstrando desde os anos 50 do século passado que a solidão, muitas vezes apelidada “isolamento emocional”, em pouco tempo causa desregulamentos hormonais, desorganização molecular, e é causadora de doenças várias entre as quais Alzheimer, obesidade, diabetes, problemas de tensão e cardíacos, doenças neurovegetativas, já não falando de tumores (as metástases progridem a um ritmo muito mais acelerado nas pessoas sofredoras e sozinhas, o que não é segredo para ninguém). Depois, existe ainda uma vastidão de problemas psicológicos relativos a mudanças de comportamento, depressão, descontrolo de emoções, tendências (auto) agressivas, e todo um extremo que daí pode advir.

As pessoas podem sofrer de tudo isto quando acompanhadas? Com certeza. Mas muitas pessoas acompanhadas também sofrem de solidão, e não é pouco. Essa é outra conversa.

Nem sequer é necessário irmos desenterrar as experiências de Harry Harlow com macacos recém-nascidos para saber que a ausência de calor corporal carinhoso provoca danos irreparáveis. Nesses cruéis testes, Harlow colocou os bebés rhesus em isolamento tendo por companhia mães feitas de fio de arame que os alimentavam artificialmente. As necessidades materiais eram inteiramente providas mas o afecto, o aconchego, o calor, não. Não só estes bebés eram profundamente apáticos e tristonhos como se tornaram adultos desconfiados e socialmente incompetentes. Note-se que estas experiências datam dos anos 60 e que, entretanto, a tecnologia já as apurou – vejam as experiências de Suomi sobre a solidão e o isolamento que mostram que estas condições presentes na vida de um mamífero causam transformações imunitárias graves e até perturbações genéticas. Suomi apontou exemplos relativos à degeneração da matéria cinzenta do cérebro e da ligação entre a amígdala e o córtex pré-frontal. Em última análise, um isolado torna-se fatalmente doente (mesmo que antes fosse saudável).

Nos anos mais recentes, há vários estudos que confirmam que os seres humanos necessitam de outros seres humanos – e que a proximidade de um ser querido, tanto emocional como física, é importante para estruturar o equilíbrio e o bem estar. Por isto mesmo, Caccioppo e Hawkley da UCLA desenvolveram uma Escala da Solidão e descobriram, muito antes da pandemia, que o isolamento ceifava mais vidas do que qualquer outra coisa. Por isso mesmo se dedicaram a estudos mostrando como evitar o isolamento social e ensinando às pessoas como se conectar. Aliás, nem precisamos de estudos universitários pois basta olhar para os vídeos, livros, podcasts de hoje em dia para saber que tudo gira à volta de conexão, tranquilidade, união, vínculo.

Com tudo isto, não pretendo ser subversiva em relação às medidas oficiais tomadas hoje em dia para nos isolar. Mas é preciso ajuizar pela nossa cabeça e intuição, com lógica e sensibilidade, nestes tempos difíceis, o que realmente mata mais. Afinal, a solidão também se torna uma pandemia de séria fatalidade. Vale a pena pensar porque estamos a promover o isolamento e a obediência tão radicalmente. Voltando à subversão, o “Letreiro” de Miguel Torga condensa tudo: “Porque não sei mentir, não vos engano: nasci subversivo. A começar por mim, meu principal motivo, de insatisfação. Diante de qualquer adoração – ajuízo. Não me sei conformar. E saio, antes de entrar, de cada paraíso.”

É de partir o coração ver bebés nascidos no fim de 2019 que pensam que a única realidade deste mundo são pessoas com máscara, gente que morreu absolutamente só porque lhes foi negado o contacto de outro ser, e o esmagador número de deprimidos e de suicidas que este vírus causou. De novo: um vírus tão inteligente que contorna um laboratório mas tão frágil que sucumbe a um paninho à volta da boca e do nariz. Como diz Harari, quem me dera reencarnar para ler os livros de História daqui a cem anos, com a claridade que a distância traz.