... "And now for something completely different" Monty Python

Monday, July 28, 2008

O Problema do Verão

O problema do Verão são as férias. As férias (tal qual como o Natal no Inverno) obrigam as famílias a passarem tempo juntas. Durante o chamado “ano lectivo” - que se prolongou imenso nos últimos anos para gáudio dos pais e desespero dos professores - as famílias podem fugir umas às outras com elegância e, sobretudo, com desculpas socialmente aceitáveis e necessariamente produtivas. Mas no Natal e naquele fatídico mês estival que os empregos chamam ironicamente de “descanso”, há que fazer qualquer coisa em conjunto, nem que seja pela primeira razão apontada (a social, pois claro!).


Não é por acaso, senhoras e senhores, que o maior índice de divórcios é em Janeiro e em Setembro. Ou seja, é quando as pessoas se dão conta (e outras, mais honestas ou experientes, admitem) que não se suportam. No resto do ano, é mais ou menos fácil segurar uma relação que se vai aguentando, ponta de conveniência aqui, falso jantar com amigos acolá. Agora nestas épocas, há que enfrentar o seio familiar.


Os adolescentes safam-se como podem: acampar com amigos, concertos de Verão, saídas à noite, etc. Poucas coisas haverá de tão aborrecidinhas para um teen como ter de passar as férias familiares com o resto da tropa caseira. Os pais que só têm filhos adolescentes tremem mais de medo do que os restantes, porque vão ter de estar sozinhos. A quantidade de casais que já não sabem estar sozinhos é enorme, dado que a maior parte confia nos filhotes para fazer conversa entre ambos, melhor dizendo entre os três, os quatro e por aí fora.


Mas há ainda uma hipótese salvadora, pais em aflição! Quando tiverem de falar só os dois, nesse estranho e revolucionário momento em que olham um para o outro e pensam como foram aí parar há dezassete anos atrás, podem falar exactamente sobre os filhotes desertores. Afinal, é um tópico seguríssimo e dá para horas. Quanto mais problemático o filho, mais tempo de conversação.


As famílias que têm mesmo de partir para férias carregadas com as criancinhas pequenas escolhem, regra geral, a casa dos avós como destino. Pais em vias de fazer as primeiras férias, segui este conselho dos mais experientes e toca de fazer o mesmo: a casa dos avós é como uma segunda habitação. Em primeiro lugar, é muito difícil haver lugar a discussões porque “não queres que a minha mãe ouça, pois não?”. Também é verdade que nem sempre é fácil haver lugar a grandes tropelias (“mas onde é que elas já vão…”, pensará a maior parte de vocês!) com a mamã a bater à porta para saber se querem um chazinho. De qualquer modo, as mulheres sentem-se mais descansadas porque mais livres das tarefas domésticas, junto da mamã. Os homens, como sempre, estão na maior onde houver um sofá e um jornal onde enterrar a cabeça para fingir que não estão a ouvir.


Há umas férias delicadas quando os avós, na melhor das intenções, se oferecem para ficar com os netos “para que o casal possa gozar umas férias a sós”. Às vezes, é mesmo impossível recusar, sobretudo quando os bons dos avós pagam as passagens ao casal para que vão passear em segunda lua-de-mel a um sítio exótico. Casais, a coisa melhor a fazer é ir, senão os avós desconfiam imediatamente! Lembrem-se que a idade traz muita manha e eles próprios já passaram por isso tudo que estão vocês a passar agora. Enganar os vossos pais só porque vocês já são adultos casados não é nada, nada fácil… Na maior parte das vezes, eles usam esse truque quando começam a ver a vossa vida a dois na curva perigosa. Sim, os nossos pais são tudo menos inocentes.


Nessa segunda lua-de-mel (sem doçura nenhuma e sem olhares para o astro nocturno, como previsto…), há que ter muitíssimo bom humor para aguentar aqueles hábitos dos quais se fugiu o ano inteiro, com estratégias tais como refeições nunca tomadas em conjunto, insónias, trabalho extra e paracetamol para as dores de cabeça que “sempre se teve”. Quando a paciência chega ao fim após horas a discutir em cima de um mapa o sentido a tomar para chegar à Ponte de não sei onde e ao Museu de não sei quê, vão para o primeiro café que encontram, por acaso muito semelhante ao de lá do bairro mas cinco vezes mais caro. É aí que a mulher, muito infeliz, desata a choramingar porque ele jamais a compreendeu (sendo “jamais” os últimos dez anos). O homem, muito mais comedido em público, pensa consigo próprio que terá ele feito para merecer esta criatura. Não raro discutem mesmo a sério, com todas as palavras que tinham arrumadas e guardadinhas no resto desse ano onde se viram o menos possível, já que estão livres da presença conciliadora das crianças e dos laços constrangedores da sociedade onde vivem habitualmente.


No fim dessa encantadora viagem, voltam a casa com a mala cheia de presentes para os filhos e um para os avós. Mandaram os postais da praxe aos amigos. “Não te esqueceste de ninguém?” pergunta ela, preocupada se terão esquecido de referir a felicidade matrimonial de mais um bem passado Verão a algum conhecido. Mas não, foi tudo tratado. Até ao próximo ano, se se conseguir chegar lá. Uf!


Tuesday, July 15, 2008

Os Heróis Precisam dos Gregos

“It was one of the few moments in my life that I was
 fully aware of being on the brink of a great experience.
And not only aware but grateful, grateful for being alive,
grateful for having eyes, for being sound in wind and limb,
for having rolled in the gutter[…], for having done everything
that I did do since at last it culminated in this
moment of bliss.”
Henry Miller, The Colossus of Maroussi












Se eu fosse uma mulher generosa a dar conselhos, e além disso sapiente, acreditando que a minha (breve) experiência de vida vos serviria de alguma coisa, poderia dar-vos uma recomendação de destino de férias e de leitura. Porém, jamais as ofereço, porque há uma zona no meu cérebro que, quando ouve uma bem intencionada recomendação, relembra imediatamente óleo de fígado na sopa. Para além desta memória de prenda envenenada, estou sinceramente convicta que ainda me falta ver muito Mundo – no sentido mais lato possível da palavra - para começar a aconselhar.




Decidi, simplesmente, falar-vos de um livro pouco conhecido, embora o seu autor o seja sobejamente. De facto, já todos ouviram falar de Henry Miller (1891-1980), quanto mais não seja pelo facto do seu livro O Trópico de Câncer ter levado a uma série de processos em tribunal em ‘61 que questionaram as leis da pornografia nos EUA. As suas obras ousadas do ponto de vista da sexualidade (algumas autobiográficas, como a trilogia na qual descreve a sua vida após o divórcio da primeira mulher) tornaram Miller famoso, ofuscando os seus outros livros – a correspondência com outros autores onde se dedica à reflexão filosófica e à crítica social, as novelas surrealistas, os ensaios de crítica literária, as short-stories ou a vasta literatura de viagens que produziu.




De entre os últimos, destaco a mais interessante e inesperada viagem – Miller nunca teria embarcado se não tivesse ouvido a descrição da Grécia feita pela sua companheira de casa, que lhe pintou “a world of light such as I had never dreamed of and never hoped to see”. Desta ideia e de uma mitificação toda feita da combinação artística entre o sonho e o real, a História e o Mito criada em Miller pelas cartas constantes recebidas de Corfu, onde morava o seu amigo Lawrence Durrel (também ele escritor), nasceu o desejo inadiável de partir para as Ilhas Gregas.




A viagem aconteceu em 39-40 e o relato vívido, cativante, verdadeiro de um país e de um povo que tão pouco mudou no seu essencial arquetípico e personalístico e tanto mudou no acessório fácil que o turista distraído apreende ao primeiro olhar chama-se The Colossus of Maroussi.




Durrel acompanha Miller da capital em diante, dando-lhe ainda a conhecer várias outras fascinantes personagens. Miller torna-se um admirador dos gregos, que, segundo ele, preservam as qualidades humanas que parecem ter sido esquecidas no resto do Mundo: a paixão pela vida, a generosidade, o quase total desprezo pelo material, o conforto na vida simples e também a confusão agradável do caos e a assumpção de um não resolvido espírito contraditório. Esta gente agrada-lhe tanto mais quanto representa a antítese ao seu próprio povo – os americanos absurdamente capitalistas – se bem que Miller faça também comparações com os ingleses (dominadores na época da ilha de Corfu não tendo os nativos em grande consideração), cuja aristocracia falha por ser demasiado forçada, e os franceses (pois era em Paris que Miller habitava), cujo requinte era totalmente desprovido de um afecto espontâneo e natural.




A admiração de Miller encontra valor simbólico no poeta grego Katsambalis, o Colosso que figura no título. Katsambalis é um encantador pela palavra, pelo seu sentido de aventura interior maior que a vida, por fazer crer que o génio (ao invés da mediocridade) é a norma: “The task of genius, and man is nothing if not genius, is to keep the miracle alive, to live always in the miracle, to make the miracle more and more miraculous.” Da vida, Katsambalis tira mais vida, como quando imita um galo a cantar de madrugada em plena Acrópole e lhe respondem vários galos, despontando, assim, a manhã.




Miller guarda também da Grécia a incomparável paisagem semelhante a uma tela (importante para quem, como ele, pintava), as limpas e modestíssimas pousadas, o humor de se encontrar num barco repleto de gente, animais e carga dentro do mesmo espaço ou de enfrentar o perigo e o enjoo de uma vez só, ambos profunda e teimosamente. Também não esquece a língua grega, que é “para poetas, não para mercadores”, flexível, amante, uma língua para homens que precisam de se inventar em heróis.




The Colossus of Maroussi não é um elogio gratuito à Grécia. Fala também da sua rudeza ocasional, da sua falta de meios na província, da sua loucura intempestiva. Mas é, sem dúvida, o relato mais verídico de um périplo pela Grécia. Todos os que lá foram com olhos de ver (logo, fora dos sítios de boom turístico) ou lá viveram sabem que é um lugar onde o vento, a água, a terra e o fogo são eles mesmos, em estado puro. Só isso, combinado com o aroma ancestral da História e a carga do Mito, fazem da Grécia sem rival.



Nota: A foto que publiquei a acompanhar o artigo foi uma foto diferente, da Ilha de Mykonos. Esta é da ilha de Syros. Uma espreitadela à foto original aqui: ...



Friday, July 4, 2008

Um Certo Ar de Português

Quando era miúda, sofria de um terrível problema: não parecia portuguesa. Tão pouco parecia outra coisa, a julgar pelo que as vizinhas diziam à minha avó: "A sua neta parece estrangeira... Mas não sei bem definir de onde" ao que a minha avó, sempre mordazmente sarcástica, respondia que "de outro planeta" era a hipótese mais provável.

Depois, mais crescidinha - se bem que não muito, admito - tive várias vezes discussões sobre o que fisicamente define o povo português. Há até uma canção, desse género a que o povo português tão carinhosa e sinceramente apelida de pimba, que se chama "A bela portuguesa". Por mais voltas que dê ao miolo, não faço ideia do que seja uma bela portuguesa. Consigo, sem dificuldade, imaginar uma bela angolana, uma bela brasileira, uma bela dinamarquesa, uma bela nipónica mas criar um estereótipo de bela portuguesa é-me impossível.

Que têm os portugueses de tão diferente dos gregos, por exemplo?

  A minha tia, que é loiríssima, alva de neve e com olhos aquáticos, podia ser norueguesa e, se tivesse sardas e fosse um bocado mais dura de rosto e bem mais de formas, seria bretã francesa. O meu primo tem claramente a cor de pele e as feições reservadas e profundas do Médio Oriente (tal como uma boa parte dos portugueses, aliás...) e é costume olharem para ele de lado nos aeroportos dos Estados Unidos. Tenho outro primo que é mulato. A minha irmã tem os olhos rasgadíssimos como as orientais mas a figurinha um pouco esquiva de uma cigana húngara na juventude... E por aí fora.


Entre as personalidades públicas portuguesas, também há algumas que, definitivamente, não têm ar de portugueses, começando pelo Primeiro Ministro que é o político com menos cara de português que alguma vez tivemos. Tanto Durão Barroso como António Guterres eram infinitamente mais portugueses. Consigo imaginá-los saindo da praia, abrindo os porta-bagagens do carro, onde estão lancheiras de vime de onde retiram rissóis de bacalhau (e respectivos palitos para o after-meal) que distribuem pela família. Consigo pensar neles a distribuir amigáveis piparotes pela criançada e a discutir com as bem-amadas mulheres nos passeios dominicais de carro. Consigo vê-los de bandeirinha futebolística em riste. Têm, enfim, um certo ar de português.

Foi o rosto do Primeiro Ministro actual que me levou a equacionar o problema sobre outra luz. Porque é que o PM não parece português? Tendo em conta que o símbolo do Homem Tuga é o Zé Povinho, não se pode dizer que o Engº Sócrates possa ser considerado um seu descendente simbólico...  Atenção que não estou a falar das roupagens, nem pensar, até pelos anteriores exemplos dados. O que distingue o PM, para além de um bom aspecto congénito que, quer se goste dele ou não, é inegável e desconfio que foi o que lhe deu metade dos votos, é o seu ar ad aeternum optimista. Quando se pensa no português, pensa-se em alguém cinzentão, saudoso, e, sobretudo, aflito. Quando perguntaram a um empresário muito viajado com negócios em Portugal (vide aquelas revistas de avião) o que caracterizava os portugueses, ele respondeu "um certo olhar triste", o que, embora poético, não deixa de apontar para o eterno fado nostálgico da melancolia.

Outro homem que não tem ar de ser português é o Miguel Sousa Tavares. Primeiro, tem tão bom aspecto que não tem medo nenhum de ser negligée e daquele olhar "estou-me nas tintas para vocês todos e ficando de saúde" ao contrário daquela absurda necessidade de aprovação submissa tão cauda da UE; depois, porque tem uma herança genética materna que arrasa qualquer um, abençoada sejas Sophia. Como corolário, escreve umas opiniões que demonstram que também não tem medo de dizer o que pensa (vide crónicas do Expresso). Só Deus sabe como foi casado tanto tempo com uma senhora moralmente tão conservadora e exteriormente tão pãozinho sem sal como a Laurinda Alves, mas, enfim, errar é humano, arrepender-se e arrepiar caminho também.

Voltando à vaca fria - aproveito para dizer que ainda ninguém me soube explicar esta expressão! - é muito complexo caracterizar fisicamente um português. Naqueles postalinhos da Unicef, onde há crianças de mão dada a dar a volta ao Globo, facilmente se percebe que a criança alta e de socas de madeira é a holandesa, que o miúdo de pele café com leite e de sombrero é o mexicano, mas o português é quem? Mesmo os judeus, tradicionalmente apátridas, arranjaram maneira de se distinguir, sobretudo se forem ortodoxos. Os portugueses devem ser o único povo que bem podia ser outra coisa qualquer. Embora Gabriel garcia Márquez fale de "pestanas portuguesas" que suspeito serem aquelas longas... longas...

E, no entanto, quando estamos noutro país, qualquer português reconhece outro só de olhar para ele. Ou não é? Mas eu diria que isso não advém tanto de características morfológicas, nas quais está mais que provado que somos um imenso caldinho de raças (uns mais que outros, conforme elas estão mais ou menos geracionalmente longe) e ainda bem que assim é!, mas da tal expressão no olhar. Subjectivo? Claro que sim. Outra coisa não se esperaria de gente multiracial.

Nos anos 50, um dos nossos antropólogos - Jorge Dias - debruçou-se sobre as " Características do Ser Português", um texto que, apesar de polémico e discutível nunca foi, até hoje, rebatido nem actualizado por outro estudioso. São uma data de páginas interessantíssimas, todas elas sobre o fundo temperamental, o que, enfim, constitui a persona portuguesa. Nem uma só palavra sobre características físicas. Como as podia ele fraccionar de modo comum?

Décadas antes, outro estudioso - Filinto de Figueiredo - compilou as "Características da Literatura Portuguesa". Mas que me conste, ninguém achou, ainda, um denominador comum para o look português. Não vale dizer que as senhoras têm anca larga e os senhores têm bigode farto, porque o último foi mais apanágio de uma geração que outra coisa e a primeira pode acontecer em todo o mundo (ide à Martinica, ide e espantai-vos!).

Portanto, não me parece grave dizerem-me que não pareço portuguesa. Na verdade, ninguém descobriu ainda o que isso é!


A Fada do Lar Moderninho



Ninguém tem dúvidas que nos últimos 50 anos, aconteceram grandes revoluções no mercado laboral e enormes mudanças sociais que transformaram completamente o papel da mulher. Não é preciso vir um sociólogo prová-lo; basta comparar aquilo que faço hoje e o que é esperado de mim com o que fazia a minha avó e o que era esperado dela. Na realidade, por cá, a geração que fez a grande reviravolta neste aspecto foi a geração da minha mãe. Internacionalmente, como aqui, as coisas continuam a abanar - diria até “a luta continua” - e a prová-lo está o novo anúncio da Mercedes Benz, onde o mecânico é uma mulher, de ar competente e simpático (não, não é uma modelo siliconizada, a testar o carro fantástico do marido rico; é mesmo a prova de uma carreira igualitária onde não há medo de sujar as mãos).


No entanto, no que respeita à partilha de tarefas caseiras e dos cuidados com os filhos parecemos ter ainda muito caminho para percorrer… Também não é preciso um estudo para o comprovar, embora já se tenham dedicado a isso: “O que mudou na vida dos casais de hoje”, in New York Times, 15.06.08, cuja conclusão, após várias estatísticas no terreno, consultas a empregadores, conselheiros e académicos é que “as mentalidades continuam muito parecidas ao que eram há meio século, no que respeita ao papel da mulher em casa e na família”. Por outras palavras, as mulheres mudaram a vida laboral mas não a gestão da vida doméstica.


Segundo o artigo, “os índices de partilha dos trabalhos domésticos entre o homem e a mulher quase não se alteraram nos últimos 90 anos”. Parece exagero, mas não é, se pensarmos que, regra geral, as mulheres hoje trabalham a tempo inteiro mas também cuidam da casa, refeições e filhotes. Os homens ajudam à segunda parte. Esta diferença verbal é que exprime toda uma diversidade de base de pensamento, tão profunda e arreigada que não cabe na minha opinião(zinha).


No entanto, há aspectos engraçados neste estudo que valem a pena salientar. Por exemplo, as mulheres que trabalham fora de casa dedicam cerca de 28 horas/semana às tarefas do lar (como cozinhar, tratar da roupa, limpar) e os respectivos cônjuges masculinos “apenas” 16 – eu, por mim, já acho muito, onde raio acharam elas estes pares?! Logo se vê que foi no estrangeiro. Curiosamente, embora as mulheres se sintam injustiçadas com esta divisão, também se sentem “gratas” pelo empenho dos parceiros, pois é claro que eles fazem mais do que os seus pais  - e os paizinhos delas – faziam.


Para além deste compensador e freudiano aspecto, as mulheres parece que têm padrões mais elevados que os homens no que diz respeito às tarefas do lar e ao cuidado dos filhos. Ou seja, acham sinceramente que os homens não têm jeitinho nenhum. Parece que sofrem de Parkinson quando lavam a loiça tal é a quantidade de coisas que deixam cair; a imundície que deixam acumular nos cantos da casa faz com que seja vergonhoso até o carteiro espreitar à porta; ao vestirem os filhos, misturam camisolas de pijama com calças de linho e jamais penteiam os cabelos das raparigas.


Homens, sei que esta táctica – a do simpático e bem intencionado elefante, de pata grossa e desajeitada, que até gostava de fazer melhor mas não pode, coitado, porque não está na sua natureza  -  resulta. As mulheres, que se sentem sempre socialmente julgadas pelo estado do seu lar e pela aparência das crias, correm logo a dizer “deixa-me ser eu a fazer, eu acabo isso mais depressa” ou “eu estou mais habituada, fazes para a próxima” enquanto os homens, rindo-se por dentro do ovo mal estrelado que até sabem fazer muitíssimo bem mas do qual se sabem livrar ainda melhor, lá vão preguiçar. De facto, a melhor arma de resistência masculina ao trabalho doméstico é serem empatas: fazer enternecedoramente mal qualquer serviço, aparentemente de forma ingénua e desejosa de ajudar. Por seu lado, a mulher, que tem mais do que fazer do que andar a ensinar-lhe o elementar da vassoura e do forno, acaba por preferir dar conta do recado.


Os homens de tal forma aperfeiçoaram esta figura aparentemente inapta mas cheia de boa vontade que as mulheres, esfalfadas após cozinharem e limparem a cozinha, vão dar-lhes um beijinho porque eles, caso pudessem e soubessem, teriam feito o mesmo por elas. É de mestre!... E seria, também, muito divertido, caso eu não fosse mulher e não estivesse perfeitamente consciente que qualquer homem é perfeitamente capaz de cozinhar tão bem como eu. Muitos, melhor. Simplesmente os homens adquiriram o hábito de cozinhar para um público, como as visitas (em casos mais graves de necessidade de apreciação, tornam-se cozinheiros profissionais); de modo que uma mulher, querendo que ele cozinhe, tem de se fazer muito exigente, que remédio.


Outro factor interessante a apontar é o facto das mulheres adquirirem uma certa satisfação por serem consideradas “encarregadas da educação dos filhos” e, no fundo, cabeças do casal em tudo o que diga respeito aos assuntos dentro de portas. Ou seja, a velha máxima de que ele manda fora do lar e ela dentro do mesmo funciona, triste e saudosamente ainda, dentro da cabeça das pessoas. Talvez por isso seja mais difícil ver um homem abdicar do seu emprego para ficar com um bebé, por exemplo, e é seguramente por isso que quase todas as mulheres entrevistadas – mesmo aquelas cujo emprego é mais rentável do que o do companheiro (e não são poucas) – consideram que é mais importante que ele se satisfaça profissionalmente do que elas, porque elas têm interesses familiares compensadores (e eles não??!! Mas não são da mesma família?! Dá ideia que estas senhoras se têm em muito má conta…).


Claro que a explicação vai mais fundo e não cabe aqui. De qualquer modo, o facto das mulheres ficarem felizes por serem “presidentes” dos círculos familiares é, também, uma conspiração social. Desde as empregadas domésticas (outra tolice social, pois a casa mais limpa e arranjada que conheço tem um empregado doméstico homem e não uma senhora) às amas e aos professores, todos esperam que seja a mamã a organizar as coisas, do mesmo modo que os mestres de obras esperam que seja o papá a pagar as contas. Quando o caso é diferente, toda a gente fica a ruminar em quem é que naquela casa usa as calças e quem usa os soutiens (sendo provável desde a moda de 1960 que ambos usem as primeiras e nenhum os segundos).


Entretanto, segundo o estudo que li “a distribuição de tarefas acompanha as linhas tradicionais de género”, o que equivale a dizer que os casais de gays ou de lésbicas (como aliás é mencionado no mesmo) têm maior equilíbrio na divisão do trabalho intra-muros: dividem tarefas sem grande dificuldade, tratam dos filhotes em pé igualitário (não querendo isso dizer que não haja definição de papéis, embora eu não saiba bem como se processa) e não têm problemas em momentos de sacrifícios profissionais em relação à família. Ou seja, a aparente solução, e porque a mudança de mentalidades é algo muitíssimo complexo e demorado, é uma rapariga ser mais feliz tornando-se mesmo Maria Rapaz. O que podia até ter alguma graça, não fosse – como diz um grande amigo meu - isso ser quase irrelevante hoje em dia, pois todos sabemos que uma Maria Rapaz passa sem graça nem reconhecimento no meio de tanto Rapaz Maria, o que destrói a originalidade e gozo da ideia.


Então, que fazer? Pessoalmente, parece-me haver duas boas políticas para pôr um homem a colaborar: ou não travar a natural tendência para a javardice de um companheiro, deixando mesmo a casa atingir um nível de sujidade considerável com pêlos de cão e restos de unhas até que ele a limpe com esmero, recusar-se a qualquer tipo de inutilidades (engomar, por exemplo, é uma absurda perda de tempo, porque ninguém “olha para a tua camisa, achas que te dão essa importância toda?”), jamais lavar alimentos de modo a que haja terra, lagartas e sangue seco de cortes nas saladas… hum…
… Ou ser a perfeita fada, com a casa-museu onde ele não pode espirrar sem ir limpar o vidro dos respingos, onde não se comem alimentos que cheirem mal tipo queijo da ilha e o bacalhau é sempre espiritual, onde as cortinas combinam com o edredon cor-de-rosa e os pratinhos têm um bordadinho que combina com o forro da cadeirinha e o azul da base dos copinhos. Levezinhos.


Qualquer uma destas situações acende um debate fantástico sobre as responsabilidades de cada um e “a impossibilidade de viver numa casa assim!” Depois, sempre é mais fácil para uma senhora, habilidosa e conhecedora das manhas dessa criatura preguiçosa tão bem habituada pela sua mãe, levá-lo a conhecer mais de perto o Soflan e o Sonasol.