... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 4, 2008

Um Certo Ar de Português

Quando era miúda, sofria de um terrível problema: não parecia portuguesa. Tão pouco parecia outra coisa, a julgar pelo que as vizinhas diziam à minha avó: "A sua neta parece estrangeira... Mas não sei bem definir de onde" ao que a minha avó, sempre mordazmente sarcástica, respondia que "de outro planeta" era a hipótese mais provável.

Depois, mais crescidinha - se bem que não muito, admito - tive várias vezes discussões sobre o que fisicamente define o povo português. Há até uma canção, desse género a que o povo português tão carinhosa e sinceramente apelida de pimba, que se chama "A bela portuguesa". Por mais voltas que dê ao miolo, não faço ideia do que seja uma bela portuguesa. Consigo, sem dificuldade, imaginar uma bela angolana, uma bela brasileira, uma bela dinamarquesa, uma bela nipónica mas criar um estereótipo de bela portuguesa é-me impossível.

Que têm os portugueses de tão diferente dos gregos, por exemplo?

  A minha tia, que é loiríssima, alva de neve e com olhos aquáticos, podia ser norueguesa e, se tivesse sardas e fosse um bocado mais dura de rosto e bem mais de formas, seria bretã francesa. O meu primo tem claramente a cor de pele e as feições reservadas e profundas do Médio Oriente (tal como uma boa parte dos portugueses, aliás...) e é costume olharem para ele de lado nos aeroportos dos Estados Unidos. Tenho outro primo que é mulato. A minha irmã tem os olhos rasgadíssimos como as orientais mas a figurinha um pouco esquiva de uma cigana húngara na juventude... E por aí fora.


Entre as personalidades públicas portuguesas, também há algumas que, definitivamente, não têm ar de portugueses, começando pelo Primeiro Ministro que é o político com menos cara de português que alguma vez tivemos. Tanto Durão Barroso como António Guterres eram infinitamente mais portugueses. Consigo imaginá-los saindo da praia, abrindo os porta-bagagens do carro, onde estão lancheiras de vime de onde retiram rissóis de bacalhau (e respectivos palitos para o after-meal) que distribuem pela família. Consigo pensar neles a distribuir amigáveis piparotes pela criançada e a discutir com as bem-amadas mulheres nos passeios dominicais de carro. Consigo vê-los de bandeirinha futebolística em riste. Têm, enfim, um certo ar de português.

Foi o rosto do Primeiro Ministro actual que me levou a equacionar o problema sobre outra luz. Porque é que o PM não parece português? Tendo em conta que o símbolo do Homem Tuga é o Zé Povinho, não se pode dizer que o Engº Sócrates possa ser considerado um seu descendente simbólico...  Atenção que não estou a falar das roupagens, nem pensar, até pelos anteriores exemplos dados. O que distingue o PM, para além de um bom aspecto congénito que, quer se goste dele ou não, é inegável e desconfio que foi o que lhe deu metade dos votos, é o seu ar ad aeternum optimista. Quando se pensa no português, pensa-se em alguém cinzentão, saudoso, e, sobretudo, aflito. Quando perguntaram a um empresário muito viajado com negócios em Portugal (vide aquelas revistas de avião) o que caracterizava os portugueses, ele respondeu "um certo olhar triste", o que, embora poético, não deixa de apontar para o eterno fado nostálgico da melancolia.

Outro homem que não tem ar de ser português é o Miguel Sousa Tavares. Primeiro, tem tão bom aspecto que não tem medo nenhum de ser negligée e daquele olhar "estou-me nas tintas para vocês todos e ficando de saúde" ao contrário daquela absurda necessidade de aprovação submissa tão cauda da UE; depois, porque tem uma herança genética materna que arrasa qualquer um, abençoada sejas Sophia. Como corolário, escreve umas opiniões que demonstram que também não tem medo de dizer o que pensa (vide crónicas do Expresso). Só Deus sabe como foi casado tanto tempo com uma senhora moralmente tão conservadora e exteriormente tão pãozinho sem sal como a Laurinda Alves, mas, enfim, errar é humano, arrepender-se e arrepiar caminho também.

Voltando à vaca fria - aproveito para dizer que ainda ninguém me soube explicar esta expressão! - é muito complexo caracterizar fisicamente um português. Naqueles postalinhos da Unicef, onde há crianças de mão dada a dar a volta ao Globo, facilmente se percebe que a criança alta e de socas de madeira é a holandesa, que o miúdo de pele café com leite e de sombrero é o mexicano, mas o português é quem? Mesmo os judeus, tradicionalmente apátridas, arranjaram maneira de se distinguir, sobretudo se forem ortodoxos. Os portugueses devem ser o único povo que bem podia ser outra coisa qualquer. Embora Gabriel garcia Márquez fale de "pestanas portuguesas" que suspeito serem aquelas longas... longas...

E, no entanto, quando estamos noutro país, qualquer português reconhece outro só de olhar para ele. Ou não é? Mas eu diria que isso não advém tanto de características morfológicas, nas quais está mais que provado que somos um imenso caldinho de raças (uns mais que outros, conforme elas estão mais ou menos geracionalmente longe) e ainda bem que assim é!, mas da tal expressão no olhar. Subjectivo? Claro que sim. Outra coisa não se esperaria de gente multiracial.

Nos anos 50, um dos nossos antropólogos - Jorge Dias - debruçou-se sobre as " Características do Ser Português", um texto que, apesar de polémico e discutível nunca foi, até hoje, rebatido nem actualizado por outro estudioso. São uma data de páginas interessantíssimas, todas elas sobre o fundo temperamental, o que, enfim, constitui a persona portuguesa. Nem uma só palavra sobre características físicas. Como as podia ele fraccionar de modo comum?

Décadas antes, outro estudioso - Filinto de Figueiredo - compilou as "Características da Literatura Portuguesa". Mas que me conste, ninguém achou, ainda, um denominador comum para o look português. Não vale dizer que as senhoras têm anca larga e os senhores têm bigode farto, porque o último foi mais apanágio de uma geração que outra coisa e a primeira pode acontecer em todo o mundo (ide à Martinica, ide e espantai-vos!).

Portanto, não me parece grave dizerem-me que não pareço portuguesa. Na verdade, ninguém descobriu ainda o que isso é!