Ninguém tem dúvidas que nos últimos 50 anos, aconteceram grandes revoluções no mercado laboral e enormes mudanças sociais que transformaram completamente o papel da mulher. Não é preciso vir um sociólogo prová-lo; basta comparar aquilo que faço hoje e o que é esperado de mim com o que fazia a minha avó e o que era esperado dela. Na realidade, por cá, a geração que fez a grande reviravolta neste aspecto foi a geração da minha mãe. Internacionalmente, como aqui, as coisas continuam a abanar - diria até “a luta continua” - e a prová-lo está o novo anúncio da Mercedes Benz, onde o mecânico é uma mulher, de ar competente e simpático (não, não é uma modelo siliconizada, a testar o carro fantástico do marido rico; é mesmo a prova de uma carreira igualitária onde não há medo de sujar as mãos).
No entanto, no que respeita à partilha de tarefas caseiras e dos cuidados com os filhos parecemos ter ainda muito caminho para percorrer… Também não é preciso um estudo para o comprovar, embora já se tenham dedicado a isso: “O que mudou na vida dos casais de hoje”, in New York Times, 15.06.08, cuja conclusão, após várias estatísticas no terreno, consultas a empregadores, conselheiros e académicos é que “as mentalidades continuam muito parecidas ao que eram há meio século, no que respeita ao papel da mulher em casa e na família”. Por outras palavras, as mulheres mudaram a vida laboral mas não a gestão da vida doméstica.
Segundo o artigo, “os índices de partilha dos trabalhos domésticos entre o homem e a mulher quase não se alteraram nos últimos 90 anos”. Parece exagero, mas não é, se pensarmos que, regra geral, as mulheres hoje trabalham a tempo inteiro mas também cuidam da casa, refeições e filhotes. Os homens ajudam à segunda parte. Esta diferença verbal é que exprime toda uma diversidade de base de pensamento, tão profunda e arreigada que não cabe na minha opinião(zinha).
No entanto, há aspectos engraçados neste estudo que valem a pena salientar. Por exemplo, as mulheres que trabalham fora de casa dedicam cerca de 28 horas/semana às tarefas do lar (como cozinhar, tratar da roupa, limpar) e os respectivos cônjuges masculinos “apenas” 16 – eu, por mim, já acho muito, onde raio acharam elas estes pares?! Logo se vê que foi no estrangeiro. Curiosamente, embora as mulheres se sintam injustiçadas com esta divisão, também se sentem “gratas” pelo empenho dos parceiros, pois é claro que eles fazem mais do que os seus pais - e os paizinhos delas – faziam.
Para além deste compensador e freudiano aspecto, as mulheres parece que têm padrões mais elevados que os homens no que diz respeito às tarefas do lar e ao cuidado dos filhos. Ou seja, acham sinceramente que os homens não têm jeitinho nenhum. Parece que sofrem de Parkinson quando lavam a loiça tal é a quantidade de coisas que deixam cair; a imundície que deixam acumular nos cantos da casa faz com que seja vergonhoso até o carteiro espreitar à porta; ao vestirem os filhos, misturam camisolas de pijama com calças de linho e jamais penteiam os cabelos das raparigas.
Homens, sei que esta táctica – a do simpático e bem intencionado elefante, de pata grossa e desajeitada, que até gostava de fazer melhor mas não pode, coitado, porque não está na sua natureza - resulta. As mulheres, que se sentem sempre socialmente julgadas pelo estado do seu lar e pela aparência das crias, correm logo a dizer “deixa-me ser eu a fazer, eu acabo isso mais depressa” ou “eu estou mais habituada, fazes para a próxima” enquanto os homens, rindo-se por dentro do ovo mal estrelado que até sabem fazer muitíssimo bem mas do qual se sabem livrar ainda melhor, lá vão preguiçar. De facto, a melhor arma de resistência masculina ao trabalho doméstico é serem empatas: fazer enternecedoramente mal qualquer serviço, aparentemente de forma ingénua e desejosa de ajudar. Por seu lado, a mulher, que tem mais do que fazer do que andar a ensinar-lhe o elementar da vassoura e do forno, acaba por preferir dar conta do recado.
Os homens de tal forma aperfeiçoaram esta figura aparentemente inapta mas cheia de boa vontade que as mulheres, esfalfadas após cozinharem e limparem a cozinha, vão dar-lhes um beijinho porque eles, caso pudessem e soubessem, teriam feito o mesmo por elas. É de mestre!... E seria, também, muito divertido, caso eu não fosse mulher e não estivesse perfeitamente consciente que qualquer homem é perfeitamente capaz de cozinhar tão bem como eu. Muitos, melhor. Simplesmente os homens adquiriram o hábito de cozinhar para um público, como as visitas (em casos mais graves de necessidade de apreciação, tornam-se cozinheiros profissionais); de modo que uma mulher, querendo que ele cozinhe, tem de se fazer muito exigente, que remédio.
Outro factor interessante a apontar é o facto das mulheres adquirirem uma certa satisfação por serem consideradas “encarregadas da educação dos filhos” e, no fundo, cabeças do casal em tudo o que diga respeito aos assuntos dentro de portas. Ou seja, a velha máxima de que ele manda fora do lar e ela dentro do mesmo funciona, triste e saudosamente ainda, dentro da cabeça das pessoas. Talvez por isso seja mais difícil ver um homem abdicar do seu emprego para ficar com um bebé, por exemplo, e é seguramente por isso que quase todas as mulheres entrevistadas – mesmo aquelas cujo emprego é mais rentável do que o do companheiro (e não são poucas) – consideram que é mais importante que ele se satisfaça profissionalmente do que elas, porque elas têm interesses familiares compensadores (e eles não??!! Mas não são da mesma família?! Dá ideia que estas senhoras se têm em muito má conta…).
Claro que a explicação vai mais fundo e não cabe aqui. De qualquer modo, o facto das mulheres ficarem felizes por serem “presidentes” dos círculos familiares é, também, uma conspiração social. Desde as empregadas domésticas (outra tolice social, pois a casa mais limpa e arranjada que conheço tem um empregado doméstico homem e não uma senhora) às amas e aos professores, todos esperam que seja a mamã a organizar as coisas, do mesmo modo que os mestres de obras esperam que seja o papá a pagar as contas. Quando o caso é diferente, toda a gente fica a ruminar em quem é que naquela casa usa as calças e quem usa os soutiens (sendo provável desde a moda de 1960 que ambos usem as primeiras e nenhum os segundos).
Entretanto, segundo o estudo que li “a distribuição de tarefas acompanha as linhas tradicionais de género”, o que equivale a dizer que os casais de gays ou de lésbicas (como aliás é mencionado no mesmo) têm maior equilíbrio na divisão do trabalho intra-muros: dividem tarefas sem grande dificuldade, tratam dos filhotes em pé igualitário (não querendo isso dizer que não haja definição de papéis, embora eu não saiba bem como se processa) e não têm problemas em momentos de sacrifícios profissionais em relação à família. Ou seja, a aparente solução, e porque a mudança de mentalidades é algo muitíssimo complexo e demorado, é uma rapariga ser mais feliz tornando-se mesmo Maria Rapaz. O que podia até ter alguma graça, não fosse – como diz um grande amigo meu - isso ser quase irrelevante hoje em dia, pois todos sabemos que uma Maria Rapaz passa sem graça nem reconhecimento no meio de tanto Rapaz Maria, o que destrói a originalidade e gozo da ideia.
Então, que fazer? Pessoalmente, parece-me haver duas boas políticas para pôr um homem a colaborar: ou não travar a natural tendência para a javardice de um companheiro, deixando mesmo a casa atingir um nível de sujidade considerável com pêlos de cão e restos de unhas até que ele a limpe com esmero, recusar-se a qualquer tipo de inutilidades (engomar, por exemplo, é uma absurda perda de tempo, porque ninguém “olha para a tua camisa, achas que te dão essa importância toda?”), jamais lavar alimentos de modo a que haja terra, lagartas e sangue seco de cortes nas saladas… hum…
… Ou ser a perfeita fada, com a casa-museu onde ele não pode espirrar sem ir limpar o vidro dos respingos, onde não se comem alimentos que cheirem mal tipo queijo da ilha e o bacalhau é sempre espiritual, onde as cortinas combinam com o edredon cor-de-rosa e os pratinhos têm um bordadinho que combina com o forro da cadeirinha e o azul da base dos copinhos. Levezinhos.
Qualquer uma destas situações acende um debate fantástico sobre as responsabilidades de cada um e “a impossibilidade de viver numa casa assim!” Depois, sempre é mais fácil para uma senhora, habilidosa e conhecedora das manhas dessa criatura preguiçosa tão bem habituada pela sua mãe, levá-lo a conhecer mais de perto o Soflan e o Sonasol.