O problema do Verão são as férias. As férias (tal qual como o Natal no Inverno) obrigam as famílias a passarem tempo juntas. Durante o chamado “ano lectivo” - que se prolongou imenso nos últimos anos para gáudio dos pais e desespero dos professores - as famílias podem fugir umas às outras com elegância e, sobretudo, com desculpas socialmente aceitáveis e necessariamente produtivas. Mas no Natal e naquele fatídico mês estival que os empregos chamam ironicamente de “descanso”, há que fazer qualquer coisa em conjunto, nem que seja pela primeira razão apontada (a social, pois claro!).
Não é por acaso, senhoras e senhores, que o maior índice de divórcios é em Janeiro e em Setembro. Ou seja, é quando as pessoas se dão conta (e outras, mais honestas ou experientes, admitem) que não se suportam. No resto do ano, é mais ou menos fácil segurar uma relação que se vai aguentando, ponta de conveniência aqui, falso jantar com amigos acolá. Agora nestas épocas, há que enfrentar o seio familiar.
Os adolescentes safam-se como podem: acampar com amigos, concertos de Verão, saídas à noite, etc. Poucas coisas haverá de tão aborrecidinhas para um teen como ter de passar as férias familiares com o resto da tropa caseira. Os pais que só têm filhos adolescentes tremem mais de medo do que os restantes, porque vão ter de estar sozinhos. A quantidade de casais que já não sabem estar sozinhos é enorme, dado que a maior parte confia nos filhotes para fazer conversa entre ambos, melhor dizendo entre os três, os quatro e por aí fora.
Mas há ainda uma hipótese salvadora, pais em aflição! Quando tiverem de falar só os dois, nesse estranho e revolucionário momento em que olham um para o outro e pensam como foram aí parar há dezassete anos atrás, podem falar exactamente sobre os filhotes desertores. Afinal, é um tópico seguríssimo e dá para horas. Quanto mais problemático o filho, mais tempo de conversação.
As famílias que têm mesmo de partir para férias carregadas com as criancinhas pequenas escolhem, regra geral, a casa dos avós como destino. Pais em vias de fazer as primeiras férias, segui este conselho dos mais experientes e toca de fazer o mesmo: a casa dos avós é como uma segunda habitação. Em primeiro lugar, é muito difícil haver lugar a discussões porque “não queres que a minha mãe ouça, pois não?”. Também é verdade que nem sempre é fácil haver lugar a grandes tropelias (“mas onde é que elas já vão…”, pensará a maior parte de vocês!) com a mamã a bater à porta para saber se querem um chazinho. De qualquer modo, as mulheres sentem-se mais descansadas porque mais livres das tarefas domésticas, junto da mamã. Os homens, como sempre, estão na maior onde houver um sofá e um jornal onde enterrar a cabeça para fingir que não estão a ouvir.
Há umas férias delicadas quando os avós, na melhor das intenções, se oferecem para ficar com os netos “para que o casal possa gozar umas férias a sós”. Às vezes, é mesmo impossível recusar, sobretudo quando os bons dos avós pagam as passagens ao casal para que vão passear em segunda lua-de-mel a um sítio exótico. Casais, a coisa melhor a fazer é ir, senão os avós desconfiam imediatamente! Lembrem-se que a idade traz muita manha e eles próprios já passaram por isso tudo que estão vocês a passar agora. Enganar os vossos pais só porque vocês já são adultos casados não é nada, nada fácil… Na maior parte das vezes, eles usam esse truque quando começam a ver a vossa vida a dois na curva perigosa. Sim, os nossos pais são tudo menos inocentes.
Nessa segunda lua-de-mel (sem doçura nenhuma e sem olhares para o astro nocturno, como previsto…), há que ter muitíssimo bom humor para aguentar aqueles hábitos dos quais se fugiu o ano inteiro, com estratégias tais como refeições nunca tomadas em conjunto, insónias, trabalho extra e paracetamol para as dores de cabeça que “sempre se teve”. Quando a paciência chega ao fim após horas a discutir em cima de um mapa o sentido a tomar para chegar à Ponte de não sei onde e ao Museu de não sei quê, vão para o primeiro café que encontram, por acaso muito semelhante ao de lá do bairro mas cinco vezes mais caro. É aí que a mulher, muito infeliz, desata a choramingar porque ele jamais a compreendeu (sendo “jamais” os últimos dez anos). O homem, muito mais comedido em público, pensa consigo próprio que terá ele feito para merecer esta criatura. Não raro discutem mesmo a sério, com todas as palavras que tinham arrumadas e guardadinhas no resto desse ano onde se viram o menos possível, já que estão livres da presença conciliadora das crianças e dos laços constrangedores da sociedade onde vivem habitualmente.
No fim dessa encantadora viagem, voltam a casa com a mala cheia de presentes para os filhos e um para os avós. Mandaram os postais da praxe aos amigos. “Não te esqueceste de ninguém?” pergunta ela, preocupada se terão esquecido de referir a felicidade matrimonial de mais um bem passado Verão a algum conhecido. Mas não, foi tudo tratado. Até ao próximo ano, se se conseguir chegar lá. Uf!