No Fim de Ano, tive uma pequena discussão (aqui ficava melhor o inglês, que distingue entre “discussion” e “argument”, permitindo perceber que não se lutava). Uns diziam que havia importantes e saudáveis diferenças culturais entre os povos e outros defendiam que, dado hoje o mundo estar muito globalizado pela TV e Facebook, as diferenças culturais já não eram reais. Dado que pertenço ao primeiro grupo, dou aqui mais uma achega ao tema.
O tempo é um conceito humano. Não vou discutir a evolução do conceito de tempo e de como, modernamente, a nossa ideia de tempo descende em linha directa das teorias de Einstein porque não percebo o suficiente de Física para falar do assunto. De qualquer forma, a Humanidade tem calendários diferentes porque nem todos os povos se baseiam na mesma medida temporal. Ou seja, o Ano não começa agora para todos. O ano novo judaico (Rosh Hashanah) é algures em Setembro - depende de um calendário lunar e não calha sempre nos mesmos dois dias (as celebrações prologam-se no sétimo mês judaico) -; o ano novo chinês calha algures entre Janeiro e Fevereiro (variável também por razões lunares); já os islâmicos têm apenas 354 dias no ano; em Bengali o ano novo é em Abril…
Calendário à parte, o modo de celebração também não é comum na cultura ocidental (passo a restringir apenas a esta). Gostava de saber quem vendeu a ideia que “a cultura ocidental” é um pacote único. As diferenças existentes são grandes, como seria de esperar em grandes territórios - e ainda bem, porque um mundo uniforme seria mais monótono que um piano só com teclas brancas. É utópico pensar que nos portamos todos da mesma forma, como soldadinhos culturalmente bem mandados e antropologicamente forjados dos mesmos arquétipos.
Em Portugal comemos passas para dar sorte. Nalgumas zonas dos EUA, comem arroz com feijão frade (Hoppin’ John). Já os gregos comem uma Vassilopitta (Vassilios é o santo a quem o dia 1 de Janeiro é consagrado – o bolo tem uma moeda e quem a encontrar terá sorte no ano vindouro). Em locais geograficamente próximos da Europa, como o Egipto, comem-se lentilhas e noutros culturalmente próximos da Europa, como a Austrália, faz-se um churrasco. No Brasil, existe a tradição de vestir de branco e entrar no mar para saudar a deusa Yemanjá. Os ingleses não dispensam cantar a velha canção Auld Lang Syne. Os austríacos oferecem Glücksbringer. Os russos têm o Avô do Gelo, espécie de Pai Natal vestido de azul que dá presentes no Ano Novo ou congela quem se portou mal. Podia ficar aqui o dia todo desfiando diferentes tradições para uma coisa tão simples como a mudança de calendário, mas termino dizendo que (já agora e para não desgostar os opositores!) os espanhóis também comem 12 passas.
Acredito nos efeitos da globalização? Claro. Eu vivo neste planeta. Mas acredito também na identidade de cada povo. Sobretudo, estou convicta que é dessa mistura de diferenças e da sua consciencialização e aceitação por parte de todos que nasce a harmonia e o interesse do globo. As pessoas que viajam (daqui ou até aqui) à procura da sua terra surpreendem e desrespeitam, pela incapacidade de ver o novo e o diferente, mas, sobretudo, pelo medo. A globalização não é parar de descobrir para impor uma cultura, fazendo tábua rasa dos costumes alheios. Acredito que a melhor definição de globalização foi dada pelos fotógrafos da National Geographic, exímios em conseguir olhar o outro sem perderem a sua persectiva:
«Olha para o rosto empoado de uma jovem japonesa e é fácil dizeres "É uma estrangeira, não sou eu". Olha mais de perto para essa jovem tímida, ou para uma mãe angustiada da Nigéria, ou para um turista do Tahiti e a tua impressão inicial muda, e começam a parecer-te familiares. Vês a fé, o desespero, a força, a alegria, e tudo o que a experiência humana pode partilhar. [...] Todos somos supremamente individuais e estamos, no entanto, irrefutavelmente ligados. O mesmo patriotismo de granito que está no rosto dos rancheiros do Arizona está nos dos jovens rebeldes curdos. [...] Os lábios pintados da beleza italiana sugerem a mesma vaidade que os da jovem geisha. E as lágrimas infantis, não interessa onde sejam derramadas, são dolorosas de contemplar. Olhando estes rostos, o estrangeiro deixa de o ser. Olha mais de perto. Poderás dizer "Sou eu"»