... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 31, 2015

Pensamento Positivo, uma ova!

A moda do “pensamento positivo” é recente, compatível com o boom dos livros de auto ajuda e dos workshops que nos auxiliam a libertar energias negativas. Há uma onda social que nos quer fazer acreditar que a realidade é apenas espelho do nosso interior e que podemos mudar inteiramente o curso dos acontecimentos para melhor se tivermos uma perspetiva otimista.

Imaginemos o seguinte cenário: um ser humano desempregado, com um filho deficiente físico a seu cargo e um cônjuge com uma doença terminal. Parece extremo? Nem por isso; acontece. Aí vai ele à Assistência Social e explica a sua situação. O funcionário diz-lhe: “Ouça, o senhor realmente é um tipo que anda bloqueado. Liberte os chakras. Anda sempre com esse ar carregado! Vou-lhe dar aqui o endereço de uns blogs que o ajudam a viver melhor com a vida. Há aí muitos exercícios de auto ajuda para libertar a mente e ajudar a ver a vida de forma melhor.” O tipo sai de lá com umas diretivas porreiras e daqui a umas semanas ou meses, quando ele aprender (porque tudo dele) a ser positivo, tem a vida muito mais facilitada.

Os gurus do pensamento positivo dizem – e com razão – que as pessoas negativas desta sociedade são aquelas que passam por mais dificuldades. É genial como chegaram a esta conclusão. De facto, quando as pessoas têm fome, dificuldade em pagar as contas, ou são massacradas física ou psicologicamente por algo ou alguém tem tendência a tornar-se pelo menos um bocadinho negativas. Há uma explicação para isto: é que são humanas. A solução passa por ir à raiz do problema e não por fazer exercícios de respiração ou ir para a frente do espelho dizer “sou eu que determino a minha vida”. Aliás, esta última é até bastante cruel se pensarmos que, em boa verdade, há muitos fatores que as pessoas não determinam minimamente na vida como seja, por exemplo, a família onde nascem, o tratamento que esta família lhes dá, a sua situação económica… Logo, ensinar às crianças que o pensamento positivo muda tudo é não só uma mentira como um completo divórcio da realidade. Há muitas coisas que não dependem exclusivamente da nossa vontade.

Esta moda do pensamento positivo chega a tornar mais abatidos os que já são deprimidos por natureza. Após lerem dois ou três manuais de auto aconselhamento e gastarem dinheiro em terapias, chegam à conclusão que a vida não melhorou; convencem-se, então, que são umas criaturas ainda piores do que pensavam porque nem sequer conseguiram aprender a ser melhores.

O cenário é tão anedótico e tão global que um estudo recente publicado em “Medical Humanities” (2014, Friedli and Stearn) avança a hipótese de o “desemprego pode[r] ser considerado uma desordem psicológica”, no sentido dos programas de emprego do Reino Unido usarem estratégias de coerção e punição a que denominam “pensamento positivo” para salientar a “falta de motivação psicológica” e a “resistência ao trabalho” dos desempregados britânicos que as entidades combatem com cursos, workshops e trabalho não remunerado - situações vistas pelos desempregados (esses miseráveis negativistas) como “humilhantes, sem sentido e cruéis.”


O pensamento negativo é algo passivo e negro. Mas o pensamento positivo moderno é algo igualmente passivo só que cor de rosinha. Ou seja, não muda coisa alguma; só distrai do essencial. Eu acredito num pensamento construtivo (chamar-lhe-ia revolucionário, se não receasse as consequências da palavra que anda um bocado mal usada). O que é preciso é mudar o que está mal e mudar para melhor. Não é com meditação e programas motivacionais que vamos melhorar as falhas atuais. Quer-me parecer que mais arregaçar de mangas e menos chá de tília é que é o caminho. Esta coisa do “pensa positivo que tudo se há de arranjar” convida as pessoas a ficarem sossegadinhas e a não fazerem nada… coisa que o status quo gosta imenso. Igualmente quer convencer as pessoas que os problemas não residem no sistema; residem (só) nelas. Mas olhem bem para este mundo – vê-se que está mesmo a precisar de um banho.