A moda do “pensamento positivo” é
recente, compatível com o boom dos livros de auto ajuda e dos workshops que nos
auxiliam a libertar energias negativas. Há uma onda social que nos quer fazer
acreditar que a realidade é apenas espelho do nosso interior e que podemos
mudar inteiramente o curso dos acontecimentos para melhor se tivermos uma
perspetiva otimista.
Imaginemos o seguinte cenário: um
ser humano desempregado, com um filho deficiente físico a seu cargo e um cônjuge
com uma doença terminal. Parece extremo? Nem por isso; acontece. Aí vai ele à
Assistência Social e explica a sua situação. O funcionário diz-lhe: “Ouça, o
senhor realmente é um tipo que anda bloqueado. Liberte os chakras. Anda sempre
com esse ar carregado! Vou-lhe dar aqui o endereço de uns blogs que o ajudam a viver
melhor com a vida. Há aí muitos exercícios de auto ajuda para libertar a mente
e ajudar a ver a vida de forma melhor.” O tipo sai de lá com umas diretivas
porreiras e daqui a umas semanas ou meses, quando ele aprender (porque tudo dele)
a ser positivo, tem a vida muito mais facilitada.
Os gurus do pensamento positivo
dizem – e com razão – que as pessoas negativas desta sociedade são aquelas que
passam por mais dificuldades. É genial como chegaram a esta conclusão. De facto,
quando as pessoas têm fome, dificuldade em pagar as contas, ou são massacradas
física ou psicologicamente por algo ou alguém tem tendência a tornar-se pelo
menos um bocadinho negativas. Há uma explicação para isto: é que são humanas. A
solução passa por ir à raiz do problema e não por fazer exercícios de
respiração ou ir para a frente do espelho dizer “sou eu que determino a minha
vida”. Aliás, esta última é até bastante cruel se pensarmos que, em boa
verdade, há muitos fatores que as pessoas não determinam minimamente na vida
como seja, por exemplo, a família onde nascem, o tratamento que esta família
lhes dá, a sua situação económica… Logo, ensinar às crianças que o pensamento
positivo muda tudo é não só uma mentira como um completo divórcio da realidade.
Há muitas coisas que não dependem exclusivamente da nossa vontade.
Esta moda do pensamento positivo
chega a tornar mais abatidos os que já são deprimidos por natureza. Após lerem
dois ou três manuais de auto aconselhamento e gastarem dinheiro em terapias,
chegam à conclusão que a vida não melhorou; convencem-se, então, que são umas
criaturas ainda piores do que pensavam porque nem sequer conseguiram aprender a
ser melhores.
O cenário é tão anedótico e tão
global que um estudo recente publicado em “Medical Humanities” (2014, Friedli
and Stearn) avança a hipótese de o “desemprego pode[r] ser considerado uma
desordem psicológica”, no sentido dos programas de emprego do Reino Unido
usarem estratégias de coerção e punição a que denominam “pensamento positivo”
para salientar a “falta de motivação psicológica” e a “resistência ao trabalho”
dos desempregados britânicos que as entidades combatem com cursos, workshops e
trabalho não remunerado - situações vistas pelos desempregados (esses
miseráveis negativistas) como “humilhantes, sem sentido e cruéis.”
O pensamento negativo é algo
passivo e negro. Mas o pensamento positivo moderno é algo igualmente passivo só
que cor de rosinha. Ou seja, não muda coisa alguma; só distrai do essencial. Eu
acredito num pensamento construtivo (chamar-lhe-ia revolucionário, se não
receasse as consequências da palavra que anda um bocado mal usada). O que é
preciso é mudar o que está mal e mudar para melhor. Não é com meditação e
programas motivacionais que vamos melhorar as falhas atuais. Quer-me parecer
que mais arregaçar de mangas e menos chá de tília é que é o caminho. Esta coisa
do “pensa positivo que tudo se há de arranjar” convida as pessoas a ficarem
sossegadinhas e a não fazerem nada… coisa que o status quo gosta imenso. Igualmente
quer convencer as pessoas que os problemas não residem no sistema; residem (só)
nelas. Mas olhem bem para este mundo – vê-se que está mesmo a precisar de um
banho.