Era uma vez
um rapaz. Há alguns anos que não o vejo, talvez quinze ou dez, talvez apenas
cinco, talvez muitos mais. Não sei se mudou. Pode estar mais gordo, mais
moreno, pode ter mudado o corte de cabelo, ter feito a barba, e, portanto, eu
não estou certa se aquele rapaz que eu recordo e procuro é o rapaz que hoje
anda por aí. Aumenta, por isso, a minha dificuldade em encontrá-lo.
Certa vez,
encontrei o nome dele na internet. Era uma exposição de fotografias dele. Fui.
Ele não estava. Por um lado, achei mais fácil porque não tinha ideia nenhuma do
que lhe dizer quando o encontrasse e ele então… pior ainda! Já o conheço. Ia
começar a sorrir, muito atrapalhado, e com tanta vontade que eu por lá ficasse
como vontade que eu me fosse embora. Ele nunca foi uma pessoa muito decidida
nem com grandes capacidades verbais. "O mestre da fuga, o mago
supersónico."
Vi a
exposição e até reconheci algumas. Tudo tão bonito. Tão cheio de silêncio e de
equívocos. Os pequeninos detalhes em que ninguém reparou. Mensagens que tanto
podiam ser assim como não ser para quem não intuísse nem conhecesse o
significado escondido.
Mas aquela
atenção ao pormenor, à claridade, à sombra, o cuidado que punha em tudo.
Não assinei
o livro da exposição; tive vergonha. Saí.
Depois, subitamente,
voltei atrás, entrei e assinei. Então, dirigi-me à rapariga que lá estava e
perguntei-lhe quando é que podia encontrar o fotógrafo e ela disse-me
"Hoje não, mas amanhã ele passa por aqui ao fim da tarde."
Sou incapaz
de esconder a minha ansiedade de ver alguém e muito menos o meu interesse. A
rapariga - cujo laço ao fotógrafo devia ser mais íntimo do que o meu agora é,
coisa que percebi imediatamente por uma intuição feminina intemporal -
perguntou-me, de forma ligeiramente agreste: "Conhecem-se?"
Era uma
pergunta cheia de direitos. E eu respondi, quase alheada:
"Sim,
somos como irmãos. Não te importas de lhe dar isto?"
Entreguei
uma fotografia gasta que tinha tirado da minha mala e a rapariga, já simpática,
aceitou-a, esperando que eu escrevinhasse uma mensagem à pressa. Umas palavras
sem nexo que não queriam dizer nada. O importante era o tempo condensado de
memória que lá pus. Espero que ele tenha gostado - se é que alguma vez recebeu.
Ele nunca me
respondeu. Não fiquei surpreendida porque não esperava retorno. Foi tal qual
como quando, em criança, escrevi ao Pai Natal, desconfiando da utilidade do
gesto.
O que o
rapaz não sabe é que não se passa uma única semana em que não me aconteça este estranho
fenómeno visual: estou na rua, no autocarro, num corredor da universidade e
vejo um rapaz de costas, um rapaz a andar, em tudo igual ao que ele é. Perdão,
ao que ele era (porque não sei se já disse, eu não o vejo há alguns anos). E é
como se me acendessem um fósforo debaixo dos pés, cresço uns centímetros,
estico o pescoço, sobe-me o ritmo do coração e penso "É ele!" e não é
raro apressar o passo e chego a ir tocar no ombro moreno ou no cabelo espesso
desse rapaz alto que vislumbro, e virá-lo e depois... nunca é, nunca é ele, é
sempre outra barba mal feita, outras unhas roídas, outro riso claro, outro
rapaz, enfim, a quem peço desculpas desajeitadamente.