Esta semana,
ocorreu-me um pensamento que, teimosamente, não me largava. Aconteceu quando vi
uma secretária, muito profissional na sua função, a catalogar pastas de
arquivo. Sou de natureza observadora e não consigo evitar fazer ligações entre
as coisas, quase intuitivamente. Foi assim que me veio à mente a ideia, talvez
despropositada, talvez sentimental, mas
o certo é que cá continuava: em que pasta de arquivo estaria eu guardada?
E foi assim
que, quando entrei na reunião, já tinha colocado em segundo plano o motivo
inicial da mesma. Já, quase inconscientemente, procurava no meu interlocutor
sinais que me permitissem descortinar qual era a minha etiqueta, qual era,
enfim, o rótulo com que ele me tinha colocado na sua estante arrumada. Seria eu
um “protocolo”? Seria uma “entrada”? Se sim, para onde? Ao certo, o que queriam
dizer essas palavras no seu léxico pessoal?
“Está
incomodada?” perguntou-me o senhor, admirado com a minha postura, tão diferente
do ar reservado e levemente distante que tenho (quase) sempre no trabalho.
Mas a ideia
não me deixava. Alastrava, tomava forma. Fiquei a pensar em que pasta de
arquivo me guardariam as pessoas de cuja vida deixei de fazer parte. Aqueles
cujos projetos profissionais já foram também meus e dos quais me retirei,
aqueles que moram ainda nos países e locais onde já vivi, aqueles que já foram
meus alunos, aqueles que já foram meus vizinhos, colegas de escola, amigos de
todos os dias ou de todas as horas, aqueles que dividiram comigo casa e outros
leito, aqueles a quem mudei fraldas um dia apesar de não ser muito mais velha
do que eles, aqueles que já não são.
Onde me
guardam? Para onde fui depois da pasta de arquivo “saída”? Ou fiquei nos
“pendentes”? Comecei a fazer o perigoso jogo de adivinhar o que pensariam os
outros das suas memórias. Felizmente, depressa me dei conta da inutilidade de
tudo isto quando, passados os portões do trabalho, me deram a mão.
Não posso
perder tempo com arquivos (cold cases, como dizem os anglo saxónicos) quando
tenho a vida entre as minhas mãos.
Tudo isto me
leva à ideia da passagem de ano, um momento que, enquanto tradição, sempre me
provocou um certo torcer de nariz porque não aprecio datas marcadas em que me
colocam a obrigação de me divertir. A diversão é como as restantes emoções da
vida – não se marca por calendário como função compulsiva ou então… deixa de
ser divertida, porque se constituiu em dever.
Porém, enquanto
pretexto para celebrar a vida, adoro a ideia do Ano Novo. Na verdade, não necessitamos
do 1 de janeiro para mudança porque, todo o ano, o próprio ciclo das estações
nos recorda que a renovação é uma constante. Mas talvez um calendário novo seja
uma ótima desculpa para deitar fora as pastas de arquivo que já têm teias de
aranha e cujo pó só nos causa espirros e nenhuma recordação de alegria ou de
calor.