... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 30, 2016

Pasta de Arquivo

Esta semana, ocorreu-me um pensamento que, teimosamente, não me largava. Aconteceu quando vi uma secretária, muito profissional na sua função, a catalogar pastas de arquivo. Sou de natureza observadora e não consigo evitar fazer ligações entre as coisas, quase intuitivamente. Foi assim que me veio à mente a ideia, talvez despropositada, talvez  sentimental, mas o certo é que cá continuava: em que pasta de arquivo estaria eu guardada?

E foi assim que, quando entrei na reunião, já tinha colocado em segundo plano o motivo inicial da mesma. Já, quase inconscientemente, procurava no meu interlocutor sinais que me permitissem descortinar qual era a minha etiqueta, qual era, enfim, o rótulo com que ele me tinha colocado na sua estante arrumada. Seria eu um “protocolo”? Seria uma “entrada”? Se sim, para onde? Ao certo, o que queriam dizer essas palavras no seu léxico pessoal?

“Está incomodada?” perguntou-me o senhor, admirado com a minha postura, tão diferente do ar reservado e levemente distante que tenho (quase) sempre no trabalho.

Mas a ideia não me deixava. Alastrava, tomava forma. Fiquei a pensar em que pasta de arquivo me guardariam as pessoas de cuja vida deixei de fazer parte. Aqueles cujos projetos profissionais já foram também meus e dos quais me retirei, aqueles que moram ainda nos países e locais onde já vivi, aqueles que já foram meus alunos, aqueles que já foram meus vizinhos, colegas de escola, amigos de todos os dias ou de todas as horas, aqueles que dividiram comigo casa e outros leito, aqueles a quem mudei fraldas um dia apesar de não ser muito mais velha do que eles, aqueles que já não são.

Onde me guardam? Para onde fui depois da pasta de arquivo “saída”? Ou fiquei nos “pendentes”? Comecei a fazer o perigoso jogo de adivinhar o que pensariam os outros das suas memórias. Felizmente, depressa me dei conta da inutilidade de tudo isto quando, passados os portões do trabalho, me deram a mão.

Não posso perder tempo com arquivos (cold cases, como dizem os anglo saxónicos) quando tenho a vida entre as minhas mãos. 

Tudo isto me leva à ideia da passagem de ano, um momento que, enquanto tradição, sempre me provocou um certo torcer de nariz porque não aprecio datas marcadas em que me colocam a obrigação de me divertir. A diversão é como as restantes emoções da vida – não se marca por calendário como função compulsiva ou então… deixa de ser divertida, porque se constituiu em dever.

Porém, enquanto pretexto para celebrar a vida, adoro a ideia do Ano Novo. Na verdade, não necessitamos do 1 de janeiro para mudança porque, todo o ano, o próprio ciclo das estações nos recorda que a renovação é uma constante. Mas talvez um calendário novo seja uma ótima desculpa para deitar fora as pastas de arquivo que já têm teias de aranha e cujo pó só nos causa espirros e nenhuma recordação de alegria ou de calor.