“Descobri então,
com deslumbramento, a minha posição no mundo: era europeia.” Disse-o Natália
Correia em 1949, após uma viagem aos E.U.A. quando as viagens entre Lisboa e a
América demoravam vinte horas. Em 2019, os tempos são outros. Ainda que não
fossem, há que assumir que não abundam Natálias, nem intelectualmente nem em
frontalidade.
Ultimamente,
imensos vultos da nossa localidade se descobriram europeus, sem que antes se tivessem
dado conta disso. É de louvar esta descoberta, não sei se étnica, se cultural
ou se motivada por uma questão de (des)afogamento económico e jogo político.
No(s) primeiro(s) caso(s), teríamos o encontrar da sua própria identidade
pessoal e colectiva (já tarde, mesmo não comparando com Natália); no segundo,
estamos perante uma moda, que permite agradar às massas, ganhar uns trocos
valentes, e fazer o nosso pobre país sobreviver na onda dos subsídios.
Claro que há
indivíduos que, desde há muito, assumiram a sua persona europeia, não estando abrangidos por este recente deslumbramento
aldeão, totalmente alheio à curvatura geral do resto da Europa. Sei que as
modas demoram tempo a chegar às periferias, mas hoje, já não nos podemos
desculpar com a geografia do extremo oeste. O discurso já não cola, desde que o
país se apressou a entrar na UE em 1986, ainda com feridas mal curadas de um
passado resolvido com cuspo e sem saber muito bem o que fazer portas adentro
com as suas crises.
Todos sabemos que a
união de estados europeus foi criada com um propósito claro após a devastação
que a Grande Guerra deixou na Europa. A ideia era não tornar a passar por outra
situação de confronto interno, unindo-se num ideal comum de fraternidade – e,
já agora, numa potência económica. Mas esses ideais federativos nunca foram
cumpridos na totalidade. Aliás, onde é que esses ideais já vão! De facto, cada
vez mais se nota um desfazer do tecido europeu.
Nem é preciso falar
do Brexit, para onde nos mandam olhar para que pensemos que é a única fractura.
Foi ridículo o Reino Unido ter saída marcada da U.E. para 31 de Março, o
Parlamento não chegar a acordo e, embora todos soubessem que iam sair, os
britânicos ainda terem ido votar nestas eleições. Caricato. De que terá servido
a campanha e a escolha desses deputados europeus britânicos? A quem beneficiou?
O surrealismo encontrou nova expressão! Ouvimos imensos “distintos” a dizer “O
Reino Unido vai ver o que lhe vai acontecer”. Na verdade: “nada”. O Reino Unido
continuará a sua vida, sem pertencer à UE. Não sou a favor da saída por muitos motivos,
mas pragmaticamente não vejo que isso traga dano aos próprios (já aos restantes
europeus é outra conversa…)
Sejamos sérios. O “ideal
Europa” está em crise, mesmo nos pilares fortes da UE: as sondagens feitas em
França antes das eleições para o Parlamento Europeu resultaram em 70% dos
franceses a opinar que a UE já não era um sistema no qual se reviam; na
Alemanha, as mesmas sondagens resultaram em 45% dos eleitores com a mesma
opinião. Se formos a países fracturantes como a Hungria, o descalabro é total.
A realidade é que a generalidade dos eleitores manifesta que “esta Europa” não
responde às necessidades dos seus países, ou porque se sentem à beira (ou em
plena) recessão económica ou porque lutam com um problema de imigração ao qual
a Europa não tem conseguido responder ou até por questões de etno-nacionalismo
(cada vez mais forte e mais exacerbado em todos os países - este sim, constitui
um problema muito grave!). Mas tornou-se moda não falar nestes assuntos
incomodativos…
…E noutros. Há
quanto tempo não ouvimos falar da integração da Turquia? Há quanto tempo as
vagas de imigrantes em barcos no Mediterrâneo continuam? Há quanto tempo não se
discute o salário mínimo europeu, essa ideia peregrina que desapareceu de
vista? Agora fala-se apenas de relações com países não europeus (que não mandem
barcos…) e de ambiente - com Grete a distrair as massas, como se os políticos, caso
quisessem, já não pudessem ter feito tudo o que esta jovem de imagem infantilizada
lhes grita no parlamento: apenas uma manobra de circo.
A UE é um projecto
difícil porque é um caldo de culturas nacionais (já nem falo das regionais), procurando
ligá-las através de um sonho comum (fundamentalmente) económico – mas há irmãos
ricos e irmãos pobres nesta família cuja solidariedade tem limites. É curioso
que só agora, nos lugares pequeninos e recônditos da Europa, se tenha
“descoberto a identidade europeia” que, caramba, sempre ali esteve! Ou isto
significa que há uma falta de fluidez económica preocupante nesses lugares; ou
significa que estão muito atrasados na descoberta da sua identidade. Qualquer
uma destas hipóteses é má mas, sobretudo, chega tarde, como um tipo cuja banda
sonora preferida de 2019 é Elvis Presley, remasterizado.