... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 30, 2019

Descobriram que eram europeus


“Descobri então, com deslumbramento, a minha posição no mundo: era europeia.” Disse-o Natália Correia em 1949, após uma viagem aos E.U.A. quando as viagens entre Lisboa e a América demoravam vinte horas. Em 2019, os tempos são outros. Ainda que não fossem, há que assumir que não abundam Natálias, nem intelectualmente nem em frontalidade.

Ultimamente, imensos vultos da nossa localidade se descobriram europeus, sem que antes se tivessem dado conta disso. É de louvar esta descoberta, não sei se étnica, se cultural ou se motivada por uma questão de (des)afogamento económico e jogo político. No(s) primeiro(s) caso(s), teríamos o encontrar da sua própria identidade pessoal e colectiva (já tarde, mesmo não comparando com Natália); no segundo, estamos perante uma moda, que permite agradar às massas, ganhar uns trocos valentes, e fazer o nosso pobre país sobreviver na onda dos subsídios.

Claro que há indivíduos que, desde há muito, assumiram a sua persona europeia, não estando abrangidos por este recente deslumbramento aldeão, totalmente alheio à curvatura geral do resto da Europa. Sei que as modas demoram tempo a chegar às periferias, mas hoje, já não nos podemos desculpar com a geografia do extremo oeste. O discurso já não cola, desde que o país se apressou a entrar na UE em 1986, ainda com feridas mal curadas de um passado resolvido com cuspo e sem saber muito bem o que fazer portas adentro com as suas crises.

Todos sabemos que a união de estados europeus foi criada com um propósito claro após a devastação que a Grande Guerra deixou na Europa. A ideia era não tornar a passar por outra situação de confronto interno, unindo-se num ideal comum de fraternidade – e, já agora, numa potência económica. Mas esses ideais federativos nunca foram cumpridos na totalidade. Aliás, onde é que esses ideais já vão! De facto, cada vez mais se nota um desfazer do tecido europeu.

Nem é preciso falar do Brexit, para onde nos mandam olhar para que pensemos que é a única fractura. Foi ridículo o Reino Unido ter saída marcada da U.E. para 31 de Março, o Parlamento não chegar a acordo e, embora todos soubessem que iam sair, os britânicos ainda terem ido votar nestas eleições. Caricato. De que terá servido a campanha e a escolha desses deputados europeus britânicos? A quem beneficiou? O surrealismo encontrou nova expressão! Ouvimos imensos “distintos” a dizer “O Reino Unido vai ver o que lhe vai acontecer”. Na verdade: “nada”. O Reino Unido continuará a sua vida, sem pertencer à UE. Não sou a favor da saída por muitos motivos, mas pragmaticamente não vejo que isso traga dano aos próprios (já aos restantes europeus é outra conversa…)

Sejamos sérios. O “ideal Europa” está em crise, mesmo nos pilares fortes da UE: as sondagens feitas em França antes das eleições para o Parlamento Europeu resultaram em 70% dos franceses a opinar que a UE já não era um sistema no qual se reviam; na Alemanha, as mesmas sondagens resultaram em 45% dos eleitores com a mesma opinião. Se formos a países fracturantes como a Hungria, o descalabro é total. A realidade é que a generalidade dos eleitores manifesta que “esta Europa” não responde às necessidades dos seus países, ou porque se sentem à beira (ou em plena) recessão económica ou porque lutam com um problema de imigração ao qual a Europa não tem conseguido responder ou até por questões de etno-nacionalismo (cada vez mais forte e mais exacerbado em todos os países - este sim, constitui um problema muito grave!). Mas tornou-se moda não falar nestes assuntos incomodativos…

…E noutros. Há quanto tempo não ouvimos falar da integração da Turquia? Há quanto tempo as vagas de imigrantes em barcos no Mediterrâneo continuam? Há quanto tempo não se discute o salário mínimo europeu, essa ideia peregrina que desapareceu de vista? Agora fala-se apenas de relações com países não europeus (que não mandem barcos…) e de ambiente - com Grete a distrair as massas, como se os políticos, caso quisessem, já não pudessem ter feito tudo o que esta jovem de imagem infantilizada lhes grita no parlamento: apenas uma manobra de circo.

A UE é um projecto difícil porque é um caldo de culturas nacionais (já nem falo das regionais), procurando ligá-las através de um sonho comum (fundamentalmente) económico – mas há irmãos ricos e irmãos pobres nesta família cuja solidariedade tem limites. É curioso que só agora, nos lugares pequeninos e recônditos da Europa, se tenha “descoberto a identidade europeia” que, caramba, sempre ali esteve! Ou isto significa que há uma falta de fluidez económica preocupante nesses lugares; ou significa que estão muito atrasados na descoberta da sua identidade. Qualquer uma destas hipóteses é má mas, sobretudo, chega tarde, como um tipo cuja banda sonora preferida de 2019 é Elvis Presley, remasterizado.