... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 28, 2022

Ikigai

O Japão é reconhecido como sendo o local onde as pessoas vivem não só mais tempo, mas com mais saúde. A experiência média de vida ultrapassa os 80 anos, sendo que a das mulheres é de 90 anos. Na ilha de Okinawa é onde as estatísticas são mais altas. Muitas razões têm sido apontadas para explicar o porquê do Japão, e em particular Okinawa, apresentar estes valores: a dieta saudável, a vida activa, a meditação, a higiene apurada, a preocupação com o cuidado e vida emocional dos idosos, a ingestão de líquidos, a genética. Eu, que sou apaixonada por gatos, acrescentaria a convivência com os gatos, porque Okinawa é repleta de gatos e ninguém me convence que isso não tem certa relação com o assunto da longevidade saudável – mas não encontrarão esta teoria corroborada por muitos, o que não significa que não seja verdadeira.

Existe um importante conceito japonês que contribui muito para a longevidade saudável e que é uma espécie de “joie de vivre” oriental, mas mais profunda porque contém em si um compromisso com a vida. Ikigai é a junção de Iki (vida) e Gai (valor). Por um resumo, Ikigai é o propósito, a razão pela qual as pessoas se levantam todas as manhãs. Enquanto existir esse motivo intrínseco, sempre haverá vida – saudável e longa.

Na prática, Ikigai trata-se de encontrar o bem-estar através de uma complexidade de factores que vou tentar explicar. O esquema faz-se melhor com um desenho em forma de círculos que se interconectam. Então, vão desenhando comigo. Em primeiro lugar, “aquilo que o indivíduo ama fazer” interconectando com “aquilo em que o indivíduo é bom” – estas duas coisas combinam na sua “Paixão”. Depois, “aquilo em que o indivíduo é bom” interconectando com “aquilo que o indivíduo é pago para fazer” – estes dois constituem a sua “Profissão”. Em terceiro lugar, “aquilo que o indivíduo é pago para fazer” interconectando com “aquilo que o mundo precisa” – estes dois combinam na sua “Vocação”.  Finalmente, “aquilo que o mundo precisa” fecha o círculo interconectando com o primeiro que era “aquilo que o indivíduo ama fazer” – estes são a sua “Missão”.

Vejamos um exemplo concreto. Imaginemos que a Sra Lin ama ensinar e é realmente boa a fazer isso. Essa é a paixão da Sra Lin. A Sra Lin conseguiu ser professora e, portanto, é paga para realizar esse trabalho. Essa é a sua profissão. O mundo precisa de professores. Essa é a vocação da Sra Lin. Aquilo de que o mundo precisa combina com aquilo que a Sra Lin ama fazer – a Sra Lin encontrou a sua missão.

O Ikigai constitui esta sinergia em pleno, ou seja, no aproveitamento individual da paixão do indivíduo e suas necessidades materiais com aquilo de que o seu entorno necessita, contribuindo assim para o bem estar geral. Importante é notar que propósito do indivíduo não pode ser forçado. Como é óbvio, as paixões não podem ser ditadas por outrem, aconselhadas, impostas, etc… Ou não seriam paixões! A questão do realismo também tem de ser encarada, ou seja, podemos ser apaixonados por muita coisa, mas certamente teremos um talento maior. Por outras palavras, mesmo que gostemos muito de natação, é improvável que todos sejamos nadadores olímpicos; há certamente um talento que brilha mais em cada um de nós. Também é importante ressalvar que as necessidades terrenas do indivíduo têm de ser satisfeitas, porque somos humanos e não vivemos apenas de bons propósitos e de teorias. Amor e uma cabana só no cinema e na literatura funciona. Finalmente, é importante combinar a nossa motivação com a necessidade dos outros. Somos seres sociais e o egoísmo não favorece o ser humano, nem enquanto indivíduo nem enquanto espécie. Esta última questão não é de difícil aplicação, ao contrário do que possa parecer. Quase todos os talentos humanos encontram aplicação e necessidade premente por parte de outros seres humanos, mesmo que tenhamos de mudar de geografia. Aliás, e porque não? Mudar de geografia é apenas mudar o rumo da nossa história.

Ikigai nada tem a ver com aquele tipo de conceito de grande brilho ofuscante que dá a impressão que vai fazer o pino na nossa vida. É apenas uma noção calma, consistente e realista – como devem ser as revoluções duradouras. Sim, porque o único lugar onde podemos fazer uma real revolução é na nossa própria vida. Estas revoluções pessoais impactam – e não é pouco! – as vidas dos que nos rodeiam. Desejo a todos que encontrem o vosso Ikigai e, caso já tenham encontrado, que continuem nessa senda. Seja lá o que for que queiram fazer, que seja uma coisa extraordinária para vocês mesmos.

Thursday, July 14, 2022

à sombra da bananeira

 Para contextualizar, vou explicar de onde tirei as ideias para este texto. Pratico Qi-Cong numa associação, que, para além de Yoga e Tai-Chi, também oferece palestras sobre Terapias Alternativas. O mundo das terapias alternativas é muitíssimo vasto. Numa semana, aparece uma pessoa a falar sobre acupuntura, noutra aparece um tipo a falar sobre ondas magnéticas, depois vêm os florais, a homeopatia, o quiroprata, o reiki, a ayurveda, e muitos etc. Já para não falar de opções menos mão na massa (ou mão no corpo!) como a astrologia, a viagem astral, a numerologia, e outros tantos. Introdução feita, resta-me dizer que um indivíduo pode estar lá a praticar o que quiser e nunca assistir a palestra nenhuma. Se vamos a muitas, podemos encontrar certas contradições e começar a levantar questões – foi o que me aconteceu.

Então, em certa palestra (a partir de agora denominada Palestra 1), a senhora, que era “PhD em Física Quântica e especialista em eletromagnética”, disse, para o que agora me interessa explorar, que todos vínhamos com um determinado propósito na vida, e que esse propósito estava completamente ligado “a vidas passadas”, sendo que a nossa vida actual era uma possibilidade de expiação dos erros cometidos anteriormente, bem como uma espécie de acúmulo de bem fazer para vidas posteriores. Claro que as nossas crenças religiosas e culturais têm grande peso em tudo isto. Quem crê em reencarnação obviamente tem de acreditar no karma e no dharma vindos de outras encarnações. Assim, quem acredita nisto, prossegue pela vida com certa paz de espírito porque encontra em tudo uma receita de equilíbrio: o “dever” e o “a haver”. Se ainda não aconteceu, tarde ou cedo vai concretizar-se. Porém, eu, que fui à palestra interessada em eletromagnetismo e no que essa ciência poderia fazer à minha omoplata sofredora, fiquei um pouco desapontada com tanto esoterismo. Que me desculpem os crentes, mas se tudo é consequência do karma e se tudo é uma questão de aceitação, então a coisa foi mal concebida: para que aceitemos e façamos a contrição bem feita, devíamos nascer com memória dessas tais vidas passadas. Se nascemos com tábua rasa, e não temos nenhuma ideia das atrocidades eventualmente cometidas no passado, óbvio é que jamais aceitaremos sofrimentos nesta vida como expiação de seja lá o que for que nem sequer sabemos nem temos memória de termos cometido. Conclusão: então, o mundo está mal feito. Coisa que contradiz a soberana ideia de que o mundo é perfeito porque foi criado por um Deus (ou Deuses) extraordinários. A Sra da Física Quântica não me soube explicar bem estas contradições.

Mais tarde, fui a outra palestra (vou denominar Palestra 2) onde o orador era um “coach” de meditação. Porque faço meditação diariamente, achei interessante. A certo momento, ele falou na lei do soltar, que basicamente consistia em “soltar tudo para o Universo”. A ideia era que quando estamos muito apegados a uma ideia, nunca obtemos resultados (exemplo: ficas todo o tempo a olhar para uma panela, a água nunca ferve… afastas-te e eis que ferve! Assim seria com tudo na vida, metaforicamente). Deu exemplos de N gente de sucesso e disse que o grande segredo de todos é o seu “contrato com o Universo”: fazem os seus pedidos com a Divindade, esperam pacientemente e… pimba, obtêm o desejado no tempo divino. Esta teoria ensina-nos a ser pacientes e a deixar de ser obsessivos, o que, quanto a mim, é muito positivo. Porém, tenho novamente questões. Lembram-se da Palestra 1? Pois é, o karma e o dharma, todos vimos ao mundo “pagar” e “receber” consoante um pré-destino, ou seja, todos temos coisas diferentes para resolver e não há volta a dar a isso. Aqui na Palestra 2, a ideia é que todos temos direito ao mesmo: se todos pedirmos para ser milionários ou encontrar a alma gémea, basta pedir, esperar com paciência e lá no tempo divino… que para mim pode ser duas décadas e para ti duas semanas… lá chegará. Mas como é que isso pode ser, se o merecimento de cada um de nós é diverso? O Universo não age com justiça se acaba por dar a todos os seus desejos! Mas que República das Bananas é esta?! O “coach” não me soube explicar satisfatoriamente. Além de que o meu desejo, factualmente, pode impedir que outra pessoa alcance o dela. Num Universo perfeito não seria assim, mas já percebemos que vivemos num planeta imperfeito e que todos nós somos imperfeitos – pelo que neste planeta não há esses conceitos de simetria. Mais: segundo estas teorias, pouco há a fazer, senão aguardar que o plano divino se cumpra nas nossas vidas pois tudo está já escrito. Então, o nosso papel é mínimo. Realmente, desobriga-nos e desresponsabiliza-nos.

Em conclusão: vou dedicar-me só ao Qi-Cong pois com duas palestras já entendi que esoterismos fantásticos não são para mim. No entanto, se alguém mais iluminado. tiver as respostas, partilhe comigo, por favor. Estou aberta ao diálogo. Talvez eu seja uma pessoa pouco evoluída – quem sabe se na última encarnação fui um gato e, consequentemente, não tinha omoplatas. A vida para os seres humanos é muito difícil.

Wednesday, June 29, 2022

O bode expiatório

Este texto pode ser desconfortável para pessoas que não gostam de evoluir e seguir em frente, as chamadas pessoas-âncora (no mau sentido da palavra). Afinal de contas, um barquinho no porto está seguro, mas ninguém constrói um barco para ele ficar eternamente no porto, por mais bonito que seja esse lugar.

Qual é, então, o bode expiatório a que me refiro? Falo do “trauma”. Hoje em dia, tudo é um trauma. A palavra está tão banalizada que quase perde o sentido. O José que ficou parado no trânsito está traumatizado com a sinalização desta cidade; a Maria está traumatizada com a má nota que recebeu a Matemática; enfim, tudo é um trauma e todos se ancoram nos traumas para se desculparem das suas atitudes subsequentes (por exemplo, no caso do José seria não só chegar atrasado como não prestar atenção a nada, no caso da Maria poderia ser tratar todos abaixo de cão porque, coitada, não consegue ultrapassar o drama).

A palavra “trauma”, que vem do grego, significa “ferida” e não é coisa pequena. Não devia ser utilizada para falar de coisas corriqueiras que de feridas não têm nada. Quando muito, serão arranhões. Nada que um algodão com água oxigenada, dose única, não cure.

Mas há verdadeiros traumas que também são utilizados como bodes expiatórios. Quando as pessoas reagem mal na vida, convencionou-se hoje em dia assumir que é por culpa de um trauma antigo (geralmente, de infância). É verdade que acontece em muitos casos… mas noutros, nem tanto! E mesmo quando a causa é um trauma real, não estou convicta que seja produtivo, inclusive para o indivíduo, desculpabilizar tudo com base num passado sofredor.

Sim, é necessário ter empatia com quem sofreu determinados horrores. Sim, é necessário dar a essas pessoas (e a nós mesmos, se for o caso) uma dose extra de compreensão e de tempo para que enveredem por um processo de recuperação. Porém, isto não significa que se deva ter uma compaixão tão larga que toda e qualquer asneira que a pessoa faça na vida seja desculpável porque, coitado, houve tempos idos em que sofreu um trauma. Existe uma espécie de desculpabilização social e inclusive de falta de disciplina e de justiça na vida dos indivíduos que proclamam alto e bom som os seus traumas constantemente, e isto não é feito de forma inocente – é feito exactamente para que os desculpemos. São pessoas-vítimas. Nunca assumem responsabilidade sobre nada. O mundo “acontece-lhes”. Eles sofrem traumas como os guarda-redes sofrem penalties: é complicado que não entrem, porque o mais certo é que sim.

É como se toda a vida da pessoa se concentrasse naquele momento traumático e não tivesse nada mais além: “aconteceu-me X, agora para a vida inteira posso fazer o que entender, não mereço julgamentos! Lembrem-se que me aconteceu X em tempos idos: isso explica tudo.” Só que há milhares de indivíduos a quem também aconteceu o mesmo fenómeno X e que não se transformaram em criaturas arrogantes, abusadoras, penduradas nos outros, em suma pessoas que não evoluíram para lá do acontecimento infeliz e que se tornaram pequenos tiranos a quem tudo é permitido e tudo é desculpado.

Não se trata de minimizar os traumas, colocando pensos rápidos na ferida. Trata-se de tratar a ferida, mas depois trata-se de também não passar a vida a olhar para a cicatriz. Dependendo do caso, o próprio tratamento pode ser um processo longo: assumir o problema, quebrar o silêncio, tratar dependendo da evolução de cada um. Mas o passo é sempre não ficar preso numa posição de vítima, e sim seguir para uma de sobrevivente. A pessoa tem de encontrar um processo transformativo, algo útil onde possa aplicar a sua dor, seja num processo criativo, artístico, numa profissão, numa missão de vida até. Uma direcção na vida. Quando existe um “porquê”, o “como” é muito secundário.

Em suma, quando as pessoas se definem a si próprias por uma circunstância, a vida estagna e a infecção não pára de crescer. Quando temos de pisar ovos constantemente para lidar com alguém só porque lhe aconteceu algo no seu passado não relacionado connosco, alerta vermelho! Aí, a pessoa em causa não é vítima de. Já se tornou alguém que faz dos restantes suas vítimas, isso sim. A roda gira, portanto dentro das nossas possibilidades todos nós temos de deixar de ser um produto de algo e passar a agir para fazer do negativo um positivo. Não há que alimentar eternos dramas.

Saturday, June 11, 2022

Em Memória do Sr. Professor Machado Pires

Quando comecei o Mestrado em Cultura e Literatura Portuguesas (na época pré-Bolonha, de Mestrados pesadões), já decidira que queria fazer tese com o Professor Machado Pires. Na época, eu tinha do Sr. Professor uma imagem distante e nutria por ele um respeito académico profundo, mistura que, sendo eu introvertida na época, resultava no que vulgarmente se traduz por “vergonha”. No entanto, já o conhecia, porque a sua mulher tinha sido minha professora e não uma professora qualquer. Eu tinha por ela a mesma veneração intelectual, mas uma relação muito mais próxima, não só porque a conhecera como docente num período extremamente vulnerável para mim, mas porque tinha formado uma relação de amizade além-aulas. Na verdade, foi ela que me incentivou a prosseguir “Não me diga que tem medo de falar com o meu marido! Isso não tem lógica!” Não tinha. Decidi-me pela ingénua frontalidade: tinha vindo para fazer tese com ele, ou Eça ou Nemésio. Tinha várias ideias, apresentei todas, com esquemas. Ele ouviu atento, entre divertido e sério, naturalmente a pensar em como a juventude se posiciona. Respondeu: “Faça Nemésio, porque tem aqui uma ideia extremamente original. Numa tese, interessa uma ideia que ainda não tenha sido falada. Isso já tem! O resto vem da sua capacidade de brilhar. A Carla hoje é uma pessoa, que direi ser insegura sem razão, porque não teve infância. Desculpe a sinceridade, sei mais do que digo. Quando tiver acabado este trabalho, será outra pessoa. Porque uma pesquisa séria e profunda transforma as pessoas. Entra uma menina, sai uma académica.” Confesso que não tinha esse discernimento de mutação na época, apesar de nunca mais ter esquecido essas palavras.

O certo é que, em breve, o Professor Machado Pires passou de meu pedagogo a meu tutor absoluto em tudo o que à academia dizia respeito. Em pouco tempo, convenceu-me a começar a dar aulas na Universidade. Eu, que até tinha começado a trabalhar como jornalista, não tinha a certeza se isso era a minha vocação. Ele achou que era e colocou-me como sua assistente. Mal sabia eu que ainda hoje seria professora universitária, vinte anos depois.

Certamente muitos terão já dito que era um Professor extraordinário a dar aulas. Conversador exímio, amplo e profundo no saber, sem presunções ridículas (marca do verdadeiro aristocrata), tornando os mais complexos contextos em simples proposições. Tinha sempre tempo, apesar dos cargos que ocupava. Escrevia com uma fluidez impressionante textos que eram, de uma só vez, intelectualmente recheados e apelativos ao grande público - era realmente dotado neste aspecto. Extremamente instintivo em relação às pessoas, era reservado quanto às suas opiniões, jamais dado a coscuvilhice (que detestava!). Era difícil fazê-lo mudar de opinião, tinha o pendor de quem guarda tudo dentro de um cofrezinho e depois diz “Lembra-se de… Eu lembro-me. Por isso, mantenho a mesma postura.” Apesar de extremamente lógico, era também incrivelmente espiritual no sentido mais amplo do termo. Sempre muito cavalheiro, apreciava nos restantes o mesmo tipo de elegância social e certa ética “à antiga”, traços que, aliás, eram apanágio do seu seio familiar.

Enquanto fui sua assistente, lecionando Cultura Portuguesa às licenciaturas, pude observar a sua forma de trabalhar mais de perto. Era como se a sua inteligência superior não necessitasse de gavetinhas (expressão que ele utilizava bastante). Não gostava de “contar os pelinhos da cauda” mas sim de “decifrar o enigma da Esfinge”: “Não vale a pena ser caturra, debitar a enciclopédia cheio de sono…”. Era pela vibração apaixonada da docência.

O mesmo na escrita. Quando escrevi o livro sobre Nemésio, olhou as provas, não concordou com certa questão, eu torci muito o nariz, ele insistiu, eu dei o braço a torcer. Foi a única vez que discutimos. “O seu feitio tem muito de personalidade aquariana”, disse ele. Tinha razão.

Amigo, Mentor, Maestro. Ora guiou ora acompanhou de perto a minha vida desde os 22 anos até há bem pouco, pois por telefone nos falávamos sempre até a sua saúde já não lho permitir. Devo-lhe o ter escolhido a minha profissão, quando eu ainda nem sabia se esse era um talento meu: “Onde a Carla vê o embrião, eu já vejo a forma adulta.” Devo-lhe o ter acreditado sempre em mim e ter-me apoiado publicamente quando muitos não o fizeram: “Duvido de muito no mundo, da sua ética não.” Faleceu e decerto muitos teceram elogios ao Sr. Reitor. À fundação da Universidade. Ao seu intelecto brilhante, reconhecido mundialmente. Acrescento: era um homem de valor e de valores, intuição apurada, sem alardes desnecessários, com a profundidade dos sábios e a simplicidade dos humildes, generoso e leal. Assim o conheci, e com ele aprendi muito. Até um dia, Sr. Professor, com grande gratidão de me ter colocado neste caminho.

 

Wednesday, May 4, 2022

O amor é egoísta

 

Ultimamente, tenho lido alguns estudos sobre o amor, já que este era o tema subjacente a umas aulas que tinha de leccionar. Sublinho que aqui se entende “amor” no seu sentido mais lato. Afinal, em toda a relação de parceria está idealmente sub-entendida uma relação de afecto, identificação, companheirismo. Mas vamos lá à conclusão: o amor é, essencialmente, uma emoção egoísta. A pouco generosa conclusão não é minha e está aberta a discussão. No entanto, analisando, acabamos por verificar que assim é. Vou lançar umas ideias sumárias daquilo que li, e quem tiver interesse pode ir pesquisar mais e até discordar.

Quando fazemos uma escolha – seja essa escolha um parceiro, um trabalho, etc – fazemo-lo, em última análise, perseguindo o nosso bem-estar. Acreditamos que essa é a melhor escolha para nós, nesse determinado momento, dentro do contexto que nos cerca. Alguma expectativa nossa é preenchida com essa escolha. Sendo que as escolhas são mútuas, é claro que também estamos a preencher uma expectativa do outro lado – seja do parceiro que também nos escolhe, da entidade patronal que também nos seleciona, etc. Porque o ser humano saudável vive em busca do que lhe dá mais prazer e foge à dor, é óbvio que estamos a escolher algo ou alguém que nos traz mais alegria, mais gosto pela vida, enfim mais momentos de felicidade, por oposição a outra situação que não seria tão prazeirosa. Aqui, já começamos a ver o porquê do egoísmo se aplicar ao amor, em última análise.

No entanto, reparem que usei o adjectivo “saudável” acima. A pessoa saudável toma decisões tendo em conta o que considera ser melhor para si. Luta pelos seus valores, pela sua protecção. Este processo nem sempre é consciente mas está presente, como um escudo de auto-cuidado, no indivíduo. Faz parte do amor-próprio. Porém, a pessoa cujo instinto de auto-preservação está danificado tem problemas com estas escolhas e forma relações pouco saudáveis. Exemplo: escolhe trabalhos onde “cumpre uma missão” mas está insatisfeito; fica com alguém que o trata abaixo de cão mas acredita que “a vida é assim”. Como já disse, toda a relação tem dois lados. Nestas relações em que existe alguém com espírito de vítima, existe sempre alguém com espírito de vampiro sugador: um dá demais, e o outro tira continuamente. O melhor exemplo destas relações com desequilíbrio de poder (e logo, não saudáveis) são as relações do toxicodependente: os seus “amigos” são, por regra, pessoas que ou lhe fomentam o vício ou se aproveitam dele sugando-lhe dinheiro. No entanto, o dependente chama-lhes “amigos”.

A teoria valida-se. Associamo-nos com aqueles que acreditamos trazer algum benefício (que pode até ser espiritual) para as nossas vidas. O importante é decidir as nossas prioridades a fim de escolhermos bem as nossas parcerias.

Os relacionamentos de amizade (sendo que a amizade acaba por ser outra forma de amor, retirando a componente erótica) não são diferentes na sua sustentabilidade. Para que uma amizade seja sustentável, tem de existir autenticidade e propósito de ambas as partes. Quando alguém finge ser o que não é – mesmo que seja para agradar o outro – a relação está condenada, cedo ou tarde, ao fracasso. Na verdade, jamais existiu. Tratou-se de uma ilusão, porque lhe faltou autenticidade de uma das partes. Não é possível haver relacionamentos sem genuinidade, entrega, lealdade, e duas pessoas vibrando na mesma onda. Isto é válido tanto para amigos quanto para relações românticas, salientando que um companheiro não pode ser apenas amigo… mas deve ser também amigo. A amizade é mais leve porque a paixão física traz algo avassalador. No entanto, romance sem componente apaixonada é como ter um irmão ali ao lado.

O importante é conhecermo-nos bem. Dado que procuramos e nos conectamos com aqueles que se ligam à nossa essência, não podemos realmente saber com que tipo de pessoas nos queremos associar se não sabemos do que gostamos, quais os nossos valores profundos, qual a nossa energia. Exemplos: se eu gosto de massagens e de filosofia tântrica, dificilmente farei boa parceria com alguém que abomina o toque; se eu gosto de animais, será muito complicado fazer par com alguém alérgico; se eu luto pelos direitos humanos, é complicado ligar-me a quem não dá duas favas para esse assunto. Posso ligar-me a alguém oposto? Com certeza. Serão relações com prazo de validade, que servem para nos ensinar que relações de oposição são pesadas, tornam-se um fardo, desgastam, não agregam, são relações onde não podemos ser nós. Na verdade, o que todos queremos é a liberdade de sermos nós mesmos. É esse direito à existência que procuramos.

Thursday, April 21, 2022

Usurpação de Identidade

 Até aos anos 90, usurpar a identidade de outrem era um assunto moroso: aceder a dados burocráticos, fotografias e informações pessoais de cada um era um processo complexo. Implicava papeladas, perguntas a muitas pessoas, e dores de cabeça. Mas desde o advento da internet, usurpar identidades passou a ser fácil como um clique.

O cibercrime inclui o roubo ou a apropriação indevida de identidade. Tem mesmo enquadramento jurídico, que se pode dividir em áreas tão diversas como o roubo de identidade de dados (infantil ou adulta), fraudes financeiras, médicas ou documentais, e até o roubo de identidade sintética, que é algo bastante elaborado: trata-se de copiar alguém de forma sistemática, efectivamente tornando-se uma versão copy cat do indivíduo X. Este último caso está muito bem exemplificado no filme de 1992 Jovem Procura Companheira, em que uma jovem é pouco a pouco despojada da sua identidade por outra que tem uma obsessão por ela e que se vai “tornando” na primeira jovem pouco a pouco: copia desde hobbies, características físicas, situações de vida, etc… numa tentativa de anular a primeira, e tomar o seu lugar. No mundo virtual, isto é muito mais fácil de fazer, não só pela facilidade de descobrir informações mas pelo uso fácil de truques tecnológicos como manipulação de áudio, imagens e construção de vídeos.

Só o fazem pessoas sem escrúpulos, com algum tempo livre e que vivem obcecadas por alguém. É preciso ter sede de controlo, falta de personalidade ou um problema psiquiátrico. Não raro estas pessoas projetam nos outros os seus próprios demónios. Existem, é claro, também os trabalhos de equipa, no qual alguns dos envolvidos o fazem para ganhar ou extorquir dinheiro à custa destas usurpações de identidade.

Quem me segue na net, já sabe que recentemente tive a confirmação do que já suspeitava há muito. Também eu tenho um clone. Bem feitinho. De tal forma que tive de pedir auxílio a um amigo que percebe do assunto para me explicar como tal era possível. O facto é que a pessoa (ou pessoas) em questão usaram fotos minhas, cenários meus, os meus dados de nascimento, os meus hobbies, textos meus plagiados ou alterados, etc. Portanto, é como a antiga publicidade do café Brasa “Parece que é… mas não é”. É descafeinado. Não sou eu, mas era tal e qual. Entretanto, outra amiga que é terapeuta na net alertou-me que já lhe tinha acontecido algo igual e pasme-se! Que até tinham alterado vídeos dela e usado para fins menos lícitos. É (também) isto a internet. Preocupa-me, para além de ter um stalker, a intenção disto tudo.

Este tipo de crimes vai passando incólume. Tudo o que se passa na net é trans-mundial, e cada país tem legislação diferente pelo que a punição acaba por nunca se realizar. Isto quando se consegue provar alguma coisa, o que quase nunca acontece. Na net, o que hoje é verdade, amanhã já é mentira. Eu mesma tirei a prova pois assim que eu fiz saber que estava ciente do que se passava, as contas “desapareceram”. Mas a “pessoa” já tem os dados. Claramente andou a colectá-los para alguma coisa e pode ressuscitá-los quando quiser, pelo que aquilo que hoje sinto é apenas um (muito) falso sentimento de segurança. Hoje em dia basta um miúdo que saiba mexer bem num computador para termos um “clone” nosso a pedir, em nosso nome, dinheiro, intimidades, ou outra bomba qualquer. Avisei os meus amigos publicamente na internet há alguns dias atrás e agora aviso aqui: muito cuidado com seja o que for porque claramente há aqui alguém com projectos muitíssimo obscuros. A verdade é que ninguém faria um clone com tanta paciência e devoção para nada. Descobrimos (eu e o meu amigo informático) contas tão antigas como datando de 2014, portanto é alguém que já vem, assustadoramente, preparando o seu terreno há anos. Também descobrimos contas com ligação ao Brasil, mas nunca se sabe nesta época de VPNs de onde vem um email ou de onde sai uma conta – neste aspecto, permaneço na dúvida.

Como me disse meu pai, certo dia: “A vida é diferente da escola. Na escola, a gente aprende e depois faz a prova. Na vida, a gente tem uma prova… e depois aprende.” Quem não se identificar com esta afirmação, também não tem de forçar concordância porque eu não tenho intenção de dar lições. Como todo o ser humano, estou na fase da aprendizagem. Mas uma coisa posso dizer sem receio de errar: ninguém é como cada um de nós. Esse é o nosso poder. Não vale a pena desperdiçá-lo, tentando ser outra pessoa.

Friday, April 8, 2022

Triângulos Dramáticos

O triângulo é uma figura problemática. Em triângulos amorosos, há sempre um lado que fica a perder. Já dizia Tom Hanks no “Terminal de Aeroporto”: “Três é uma multidão”. Se um ser humano, com toda a sua bagagem, já é cheio de complexidade, coloquemos dois seres humanos em relação: é preciso muito para dar certo. Se colocarmos três indivíduos na relação ao mesmo tempo, a hipótese de dar certo é nula. Que me desculpem os defensores do poliamor, mas “poli” significa “muitos”. Dar conta de muita gente ao mesmo tempo é uma impossibilidade. Desde já uma impossibilidade mental – eu nem tão pouco recordo que reuniões tenho hoje, como há quem possa ter várias relações em paralelo? Impressionante. Ou assustador, depende do ponto de vista. Nem coloco as impossibilidades de ordem afectiva, porque, obviamente, quem anda com várias pessoas é porque não tem especial interesse em nenhuma delas. Excepto o interesse em si próprio, claro.

Vem isto a propósito da famosa cena de violência que Will Smith fez na noite dos Óscares. Quase toda a gente gosta do Will Smith, bom rapaz, muito dedicado à família, certa aura ingénua, quase teenager (apesar da sua meia-idade). Foi com espanto que o vemos a bater em alguém por causa de uma piada – até porque o Will se riu da piada, como vimos.

Leiam entrevistas antigas dele e começam a ver um desenho curioso. Mais do que dedicado à família, o Will, sofrendo de devoção aguda, anula-se perante a sua mulher. Saltou-me à vista esta confissão dele: “Sou monogâmico, acredito na fidelidade 100 por cento, mas Jada necessita de várias pessoas. O meu maior desejo é que ela seja feliz, e por isso aceito que a minha mulher tenha vários parceiros. Isso não está de acordo com aquilo que quero de uma relação mas Jada está acima das minhas convicções.” Calma, Will. Toma um cházinho. A questão não é se Jada é mono, bi, tri, poli ou se gosta de cães. Ela tem o direito de gostar do que ela quiser, desde que não magoe ninguém (este último ponto é importante, porque magoar outro ser é crime, e as pessoas esquecem-se disso). A questão é, Will, se aquilo de que Jada gosta não está de acordo com aquilo que tu queres de uma relação… então, amigo, a vossa relação acabou. Não existe nenhuma razão saudável para que a felicidade dela seja alcançada à custa da tua infelicidade.

Padrão relacional tóxico: Will vive numa relação que vai contra os seus valores; mas, heroicamente (do seu ponto de vista), prossegue nesse casamento porque, segundo ele, a felicidade do outro e o seu amor ao outro são tudo o que importa. Will escolhe abdicar do seu amor próprio e do respeito que deve a si mesmo para ser reconhecido por outra pessoa, no caso a mulher. Mas Will nem se reconhece enquanto merecedor de coisa nenhuma! Falha na base.

Há pessoas bem-intencionadas (e eu até já pertenci a esse clube) que acreditam que se se sacrificarem muito por alguém, vão salvar esse outro adulto e o trauma alheio. Nada mais errado. Não é nossa responsabilidade. Para além disso, a influência de alguém sobre nós não pode nunca ser tanta que nos leve a abdicar do nosso ideal de felicidade pessoal. Temos de ser o sujeito decisor da nossa própria vida, porque a vida é única, individual e irrepetível. Como diz um provérbio africano: “Mais vale andar descalço do que tropeçar usando os sapatos dos outros".

Aquela era para ter sido a noite de glória de Will Smith, que ganhou o Óscar… mas ninguém se lembra disso, porque ele foi “defender a mulher” a pedido desta. Isto até seria uma reacção eventualmente louvável se estivéssemos perante um par em que ambos se defendem e se apoiam. Porém, estamos perante um casal em que Will se desfaz todo para que Jada fique feliz… enquanto Jada vai colecionando namorados, incluindo um dos grandes amigos do seu filho adolescente – o que fez com que o miúdo Smith pedisse a emancipação, tal o estado de choque em relação aos pais, nomeadamente à mãe.

Neste tipo de casais, não é raro que o “herói” (no caso, Will) tenha uma epifania, ao fim de anos, acreditando que conversas esclarecedoras vão fazer o parceiro ver a luz. Acreditam que se lhe explicarem como ele/ela foi um narcisista do pior, vão mudar a personalidade alheia. Mas nós nunca mudamos ninguém, excepto a nós mesmos – e só com esforço. Para pessoas que se aproveitam dos outros, as relações são um negócio. Existe uma motivação ulterior: dinheiro, status, dependência, domínio mental ou sexual, o que seja. Aliás, jamais é preciso explicar a generosidade a alguém que gosta de nós. É importante nunca esquecer isso. Tal como é importante lembrar que o narcisista vai sempre fingir ser um doce para melhor manipular a situação a seu favor e obter dividendos. Não significa que ele/ela tenha mudado em nada.  

O meu propósito não foi estar a fazer crónica de coscuvilhice, mas sim apelar a uma auto-reflexão nossa, pois quantos de nós não fazem asneiras cheios de boas intenções – à semelhança do Will. Na vida, acontecem-nos vários dramas cuja origem nos escapa. Mas a responsabilidade da reacção é nossa. O que está em causa é o nosso equilíbrio mental e até a nossa identidade.

 

Thursday, March 24, 2022

Dependência: círculos viciosos

Os departamentos de neurociência de Princeton, Columbia e Yale chegaram a uma conclusão que a ninguém espanta: o número de pessoas que confessa sofrer de vícios disparou durante a pandemia de Covid; da mesma forma, as pessoas que já se consideravam dependentes de algo sofreram um aumento do seu nível de dependência durante os últimos dois anos.

Já se sabia que quarentena, isolamento, proibições e tudo isso que se passou a viver como rotina só veio causar dramas à saúde mental de todos de forma geral. Porém, o profundo impacto que tais medidas tiveram no (já de si frágil) equilíbrio que tem um dependente só agora começa a revelar-se.

É impossível num artigo tão curto explorar o tema com a profundidade que merece, a começar pelo facto de que há muitos tipos de vícios (drogas, álcool, jogo, sexo, internet, e até o vício que nos prende a alguém em particular ou a uma sensação tóxica, como o masoquismo). Para arredondar, convenhamos que vício ou dependência é tudo aquilo (ou aquele) que nos tem sob o seu controlo ao invés de sermos nós os mestres; por consequência, cria-se uma relação de escravidão por parte do controlado. É importante ter a frontalidade de aceitar que é mesmo assim, porque, na verdade, rara é a pessoa que não tem, pelo menos, um vício. Quantos de nós não somos escravos do telemóvel, que levamos para a cama como uma chucha? E ele aí está, como primeira coisa ao acordar e última antes de adormecer? Uma dependência, uma escravidão. Nesta óptica, ninguém pode ter a sobranceria de olhar de cima para, por exemplo, um dependente de substâncias. O que varia é tão só o objecto.

Numa época em que se convencionaram cortar estímulos exteriores, as pessoas viveram mais ensimesmadas, trancadas. A falta de relações sociais não beneficiou o soltar dos vícios, primeiro porque a esmagadora generalidade dos dependentes tem relações familiares pouco benéficas, quando não inteiramente tóxicas, e o seu círculo de “amigos” por vezes não passa de gente que ou compartilha do mesmo vício ou se aproveita financeira e até psiquicamente dele. Não são amigos. São outros tantos alienados, por um lado; do outro lado, perigoso, existem os vampiros – o dependente acaba por ser viciado nos vampiros também, mas só mais tarde se apercebe. Porquê? Volto a dizer: ficamos escravos de tudo ou de todos os que nos controlam, seja de que forma for. Quem não for o senhor de si próprio, é um viciado.

Existe uma componente extremamente exacerbada pela quarentena e suas restrições que motiva o aparecimento de vícios: é o tédio do não ter que fazer. Isto é diferente de lazer, que relacionamos com actividades prazeirosas, dinâmicas, interessantes. O tédio advém de estar sem actividades e sem vontade de coisa nenhuma. Quando há uma rotina apertada a seguir, há menos espaço para tédio e para vícios. Não quero com isto dizer que as pessoas dependentes de X ficam assim somente por estarem entediadas… Mas não há como negar que quando temos algo muito urgente ou muito motivador entre mãos, não há espaço para intoxicações. Obviamente que, nos estádios mais avançados do vício, o dependente já não distingue coisa nenhuma, nem degraus de valor, porque na sua escravidão a única coisa importante, única, é precisamente o vício. Mas aí, a pessoa já desceu até ao fundo do poço.

As pessoas ocupadas são mais saudáveis? Podem ser ou não, depende do que fazem. Os japoneses morrem de excesso de trabalho, o que também constitui um vício. Relembremos que a palavra que define vício é “escravidão”. O que eu sei é que as pessoas motivadas são, certamente, mais saudáveis. Todos precisamos de estímulos, de alguma coisa que nos eleve, que nos faça chegar mais além. Algumas pessoas precisam disso mais do que outras, pela sua personalidade, talvez muito sonhadora, talvez muito passional, talvez muito carente, ou talvez com agressividade auto-direcionada. Quando essas pessoas dedicadas encontram um estímulo saudável, podem ser gloriosas: os maiores desportistas, os grandes músicos, os melhores artistas, os mais incomparáveis místicos, foram – a seu modo – todos gente extremamente focada num só ponto, digamos que escrava de um desporto, de uma arte, de uma transcendência que os elevou à glória. Infelizmente, quando pessoas muito necessitadas de estímulos encontram algo não saudável, caem num turbilhão do qual é muito difícil sair.

No fundo, as pessoas dependentes são pessoas com enorme tendência para a devoção. São capazes de se entregar a algo de corpo e alma. Em si, isto é uma qualidade. A questão é que, mal direcionada, pode tornar-se não só um defeito mas um perigo de vida. Se estas pessoas direcionarem a sua enorme capacidade de busca, de entrega, de servir, a uma meta de firme e bom propósito, não só elas como a Humanidade terá um salto qualitativo. O puzzle do mundo fica a ganhar. Se, no entanto, permanecerem no limbo escuro onde são controladas, nunca saberemos, e elas também nunca saberão, o que poderiam ter alcançado.

Saturday, March 19, 2022

This information saves lives

Due to the extremely unfortunate events that I have witnessed, felt and later worked with, helping victims of violent abuse on a NGO, I strongly encourage everyone to educate themselves on abuse, narcisistic personality disorder, malignant narcissism, co-dependent relationships and toxic bonds. These situations last for many years. At their best, they are filled with emotional disorder, psychological imbalance, financial sucking, physical violence, sexual manipulation, humiliation, and a roller coaster of drama. At their worst, they escalate to stalking, depletion, vice, incest, all kinds of torture, house imprisionement, silencing, rape and murder. Yes, murder with a smile. Psychopats are not mean all the time; they are sugar and spice and that’s what makes them so dangerous. They don’t care about you. But they will pretend because they care about what they can get from you. The softer your heart is, the more you will fall for their tricks. They can be family members, “friends” or “lovers”… Whatever they are, you need to cut them out of your life. If you don’t, they will eventually finish you off, once they have sucked all they can from you.

Educate yourself. Start here:

The "dance" with an abusive partner: https://samvak.tripod.com/abusefamily.html

But what actually constitutes abuse? https://samvak.tripod.com/abuse.html

When Parents are the abusers: https://samvak.tripod.com/faq5.html

The dynamics of an abusive family: https://samvak.tripod.com/narcissistfamily.html

Free yourself before it’s too late!

Thursday, March 10, 2022

Paróquias

Segundo os dicionários, uma das definições de paroquialismo é “a tendência a limitar os pensamentos, interesses, actividades e objectivos a uma esfera puramente local”. O adjectivo “paroquial” pode, por isso, designar uma acção ou um pensamento pouco interessantes. Nada contra as paróquias! Uma coisa é o adjectivo “paroquial” quando designando algo relativo às divisões feitas pela Igreja – essas foram importantes, pois muitos dos registos que hoje possuímos acerca do passado das nossas populações existe porque tudo se registava nas paróquias. Mas nesta crónica não me refiro a isso e sim ao adjectivo “paroquial” quando usado para falar de “perspectiva”. Uma perspectiva paroquial acerca seja do que for não é um elogio; é uma visão limitada, localista, mesquinha, e que não passa além da sua rua.

No tempo das Descobertas – esse tempo tão saudoso a Portugal, que volta e meia arranca poemas e é motivo de orgulho nacional – os Europeus, com destaque para os povos marinheiros descobridores, eram tudo menos gente com visão paroquial. Estou em crer que até terá sido o tempo histórico com perspectiva mais global. Claro que na Roma Antiga também havia a fúria de conquistar todos os povos conhecidos para glória e expansão do Império. Na época da Roma Antiga, a perspectiva era também global, sendo certo que território explorado era território aculturado. Por este prisma, podemos adjectivar toda a visão e acção imperialista a “global” pois que o mundo, lato sensu, sempre foi o palco de eleição dos Impérios, quer estejamos a falar de Romanos, de Muçulmanos ou dos Europeus Quinhentistas.

Mas a diferença é esta: os Impérios Antigos conquistavam os territórios que estavam ali ao lado, ao passo que os Descobridores de 500 zarparam nas caravelas e meteram-se mar adentro para irem colidir com terras que ainda não estavam sequer cartografadas nos mapas da altura. Eram sonhadores (pelos critérios de hoje, quem sabe lhes receitariam uns medicamentos para “aterrarem na realidade”) mas o ponto é que de paroquialismo nada tinham. Pensavam e agiam à escala mundial, literalmente. Haverá leitores a dizer “Ah, mas os Antigos Romanos também conquistaram terras bem longe de Roma”. Sem dúvida. Mas para chegarem a essas terras, conquistaram antes as que estavam perto, meticulosamente. De qualquer forma, eram também gente de pensamento global. Como dizem os anglo-saxónicos, Romanos e Descobridores eram ambos “encompassing” - maravilhoso adjectivo, porque vemos a roda do compasso a abarcar tudo. Eram o oposto do pensamento paroquial.

O outro lado da História são todos os povos que, subjugados, conquistados ou “descobertos” (se bem que eles já lá estavam e viviam… “descobertos” na óptica de quem?) foram reduzidos à escravidão e ao extermínio. Dos vencidos pouco se conta. Diz-se, por exemplo, que os Aztecas não opuseram quase nenhuma resistência aos Espanhóis, porque eram gente de boa fé, pacífica, e sobretudo completamente ignorante do exterior; ou seja, sem interesse nenhum pelo global. Já os Gauleses deram fortíssima luta aos Romanos porque estavam imensamente conscientes de quem estes eram e do que costumavam fazer aos conquistados. Com tanta guerra e violência daí resultante, podemos pôr em causa se a visão global será mais nobre do que a paroquial…

Mas porque não se aventuraram outros povos a conquistar o mundo? Na época das Descobertas, os povos da Ásia tinham poderio económico e militar para o fazerem e não o fizeram. Gostamos de dizer que é porque nós somos melhores a navegar. Mas acredito que a razão pela qual os Europeus foram senhores da conquista desde a América à Oceânia, passando pela África, durante 300 anos, é outra: é que a Ásia, com excepção do Japão, vive virada para si. Não tem curiosidade fervente pelo resto do mundo. Ainda hoje pouco lhes interessam as opiniões, costumes e negociatas dos outros continentes. Há uma certa reserva distante, aos nossos olhos europeus um absurdo, mas para eles é simplesmente a superioridade e a leveza do desinteresse. Irrelevante. Todos os outros são irrelevantes. Alguns dirão que esta atitude é de snobismo. Talvez seja. Seja como for, nirvânica ou paroquialista, garantidamente este sentimento e atitude é bem um traço cultural do extremo Leste.

O que tem isto a ver com o momento histórico que atravessamos? Tem tudo. Vão lá ver o mapa, vejam bem onde se situa toda a esgrima, tanto silenciosa como activa. É por isso que Estudos Culturais é uma disciplina maravilhosa, embora absurdamente generalista. É importante relembrar que, tal como os portugueses não são todos iguais, as pessoas de Leste, tanto umas como outras, também não o são. Não podemos olhar para a árvore e classificar a floresta.

 

Wednesday, February 23, 2022

Coragem

Todas as sociedades, conscientemente ou não, se definem de acordo com os seus valores. Individualmente, também assim acontece com cada um de nós enquanto seres humanos.

A nossa sociedade actual enfatiza muito a confiança como um valor porta-estandarte, algo que todos devemos cultivar. É bom ser confiante, tanto em si como positivamente esperar o melhor das situações. No entanto, a confiança é uma qualidade que pode resvalar para o oposto extremo, isto é, um indivíduo pode tornar-se demasiado confiante. O excesso de confiança é tão perigoso para uma personalidade como a falta de confiança. Primeiro porque esse extravasar exagerado é aquilo a que os ingleses chamam “cockiness”, muito literalmente “uma atitude de galo”, que gostamos de traduzir por “arrogância”, “desdém”, enfim… um injustificado agir perante o mundo de quem, na verdade, não tem assim tanto de que se gabar. Segundo, porque o excesso de confiança é perigoso para o seu portador, não raro precedendo a queda abrupta do indivíduo por não ter calculado bem as suas habilidades e probabilidades.

É minha convicção que devíamos substituir este nosso chavão social de ênfase na confiança pelo retorno à boa (e hoje um pouco esquecida) coragem. Na Antiguidade, a coragem era um dos mais altos valores. Não sei em que momento histórico deixaram de lhe dar valor – mas deve ter sido na mesma época em que se convencionou dizer que “somos todos iguais”. Não somos todos iguais (e ainda bem!). Porém, todos temos os mesmos direitos civis, o que é algo completamente diverso. Mas isso é motivo para outra crónica.

Na Grécia Antiga, havia apenas uma palavra para denominar os conceitos de “homem” e de “coragem”: Andrea. Bons tempos, esses, em que homem e coragem eram sinónimos! Estamos hoje pelas ruas da amargura nesse respeito. Claro que, quando o digo, refiro-me a uma perspectiva mais humanista, ou seja, os seres humanos de hoje não primam pela coragem. De notar, todavia, que os gregos quando utilizavam a palavra “homem”, isto é, Andrea, estavam mesmo a falar só de quem tinha órgãos sexuais primários Y, porque não lhes tinha chegado ainda a onda pós-moderna em que é politicamente incorrecto atribuir géneros. Havia, pois, a noção de que o homem era, por definição intrínseca, um ser corajoso. Dito de outra forma, na Grécia Antiga, a masculinidade era inseparável da coragem. Havia mulheres corajosas? Certamente, sem discussão! A maior parte dos mitos gregos o comprovam. Mas o ponto é que, a raiz grega da palavra “Andr-“ continha o conceito de masculino e simultaneamente de corajoso (vejam “Andrómaca”, a personagem feminina de Tróia: “Eu sou a que luta como um homem, eu sou a coragem do meu nome”). A virtude masculina por excelência podia ser extensível a mulheres. O que não podia deixar de acontecer era existir coragem na essência do homem para que ele fosse homem.

Já na Roma Antiga, a coragem fazia parte da Virtus. Note-se que a raiz latina “Vir-“ também significa “homem” (ainda hoje, falamos de “virilidade”, por exemplo). A Virtus romana era um pouco mais complexa do que a Andrea grega, porque – como em tudo o resto – os romanos pegaram nos conceitos gregos, amassaram, expandiram e apresentaram o mesmo sob roupagem mais pensada. O grego é muito intuitivo e visceral; o romano é sempre mais cogitado e prudente. Nem de propósito, a Virtus compunha-se de quatro coisas: a já falada coragem, a mencionada prudência, e ainda a justiça e a temperança (equilíbrio, controlo do ser). Mas continuamos na mesma senda: o homem não era homem se não fosse corajoso. Pelo menos, não era um homem digno de ser assim chamado.

Há poucos dias, os meus alunos mostraram-me o original de um filme em mandarim do qual eu só conhecia a versão inglesa. Era “Mulan”, dispensa apresentações. O caso é que, na cena em inglês em que a princesa chinesa Mulan finge ser um guerreiro, a versão inglesa diz “I will make a man out of you!” (Farei de ti um homem!). Mas a versão em mandarim é clara… Não é isso que se pretende. A versão em mandarim diz: “Yiao cheng wei nan zhi wan bu ren shu” (Torna-te um homem viril, não admitas uma derrota) “Nan zhi wan” não é apenas um homem; é um homem corajoso, um “homem que se porta como um homem”. A jovem Mulan podia portar-se assim? Podia e fez. A coragem é extensiva a todos os que a têm dentro de si. Assim a possuam!

Thursday, January 27, 2022

A culpa é da democracia

A democracia não é um sistema político brilhante. Ainda assim, é o melhor que se inventou. Já há algum tempo atrás escrevi sobre isto e não gosto de repetir ideias, portanto não vou filosofar sobre estas frases; não obstante, vou atirar mais umas achas para a fogueira neste momento propício.

(Parêntesis: professores de português, repararam nas adversativas utilizadas? Exprime desde já a concepção que tenho sobre o assunto: é bom, mas não tão bom como o marketing feito à volta da palavra “democracia” nos vende. Acabo de acrescentar mais uma adversativa).

Vamos lá ver então.

A democracia é um modelo imperfeito que exige constante recriação. Contrariamente a outros modelos governativos (absolutismo, autoritarismos, ditaduras, totalitarismos, monarquia), a democracia é um modelo dinâmico e não estático. Por essa razão, é necessário estar extremamente atento para não cair na modorra quando se vive num regime democrático. A beleza do modelo democrático está na sua possibilidade de mudanças, sempre que isso seja da vontade dos cidadãos. Como tudo o que é belo, acarreta perigos. No caso, o perigo de más escolhas, que está sempre presente quando há liberdade. Existe uma forma de dar a volta a isso? Sim. Quanto mais informadas as pessoas estiverem sobre as suas escolhas, nisto como em tudo, menos vão errar. Quanto mais ignorantes forem sobre o que estão a fazer, mais vão votar “porque ouviram dizer que” ou porque “o amigo, o pai, etc, vota X”. É precisamente por as pessoas não estarem informadas sobre a realidade dos factos que, na maioria das vezes, a tal mudança (se e quando existe, o que nem sequer é comum) não traz evolução alguma. Em conclusão, a nossa democracia é mais movida a marketing político do que a educação do povo e, enquanto assim for, a política será um negócio e nunca se tratará da real participação dos cidadãos na vida cívica do seu país.

Em Portugal, existe a tradição (seguramente herdada da ditadura, tempo em que eu ainda não era nascida) de louvar muito o poder e seja quem for que o represente. Louvar de forma servil e até servente. Porém, essa é uma característica dos tais regimes estáticos que mencionei acima. Nas democracias, o povo exige do poder. Exige mais e melhor, sempre, primeiro porque tem esse direito e o “poder” tem esse dever; segundo porque, caso o povo não exija, o “poder” não faz coisa alguma. O povo, na democracia, tem a faca e o queijo na mão para tirar da cadeira e meter na cadeira quem entender, mas não é por pirraça de não ter recebido um feriado a mais nem por compensação de uns autocolantes e bonés. É porque o povo pode e deve cuidar dos seus direitos.

A generalidade das pessoas sabe fazê-lo? Não. Aí reside o problema, que, aliás, não se restringe à política. Basta passarmos uma hora na internet (sem dúvida, o espaço mais democrático do mundo onde toda e qualquer pessoa tem voz!) para percebermos que a generalidade dos cidadãos não é muito inteligente, é pouquíssimo informado e não procura sair de um estado de ignorância voluntária. Pior que isso, quanto menos inteligente, mais arrogante na sua demonstração de “eu sei, eu posso, eu quero, eu mando, eu, eu.” Estas criaturas tão fáceis de cair em cultos e de seguir líderes, fazem-nos às vezes rir com vontade em vídeos (reais e ao dispor na net) onde centenas de pessoas comuns dizem, por exemplo, que concordam com a extinção do Homo Sapiens, que não existem pássaros ou que a terra é plana. Não devíamos rir. Devíamos chorar quando nos lembramos que esta esmagadora população não só vota como educa crianças.

Nós herdamos a democracia da Grécia Antiga mas demos-lhe a volta. Na verdade, na Grécia Antiga, o sistema era mais oligárquico que outra coisa. Para além disso, certos “quês”, tais como votar ao ostracismo por dez anos qualquer líder político que ameaçasse o bom funcionamento da cidade, não existem no nosso sistema e existiam por lá. Hoje, é ao contrário. Na prática, vota-se ao ostracismo o cidadão que ousou falar contra um político. Pensando nisso, vou fechar aqui a crónica, não vá alguém pensar que me dirijo a ele ou ela em particular, o que me traria mais uma carga de impedimentos. Todavia, interrogo-me: num estado onde ainda existe medo, será que existe real democracia?

Friday, January 14, 2022

Desistir não é tão mau como dizem

Um dos conselhos que está na moda é “não desistas nunca!” Qualquer livro de cabeceira do guru moderninho tem logo na primeira página: “desistir não faz parte do nosso vocabulário! Jamais!” Este péssimo conselho traz muito boa alma acorrentada a coisas podres que já terminaram há séculos mas dos quais elas não desistem porque desistir não fica bem.

Vamos deixar a moda de lado e usar o cérebro. Ancorar seja lá em que aspecto da vida que já ficou enferrujado é sinal de pouca inteligência emocional. A fila já andou, por assim dizer. Desistir com inteligência do que já não vale a pena é deixar de estar acorrentado a uma vida que já não tem hipóteses de felicidade. Claro que devemos tentar o que está em nosso poder para fazer com que as coisas deem certo – no exacto valor em que esses assuntos têm importância. Mas não vale a pena ficar apegado a algo que já zarpou, já foi, ou – como dizem os meus alunos na sua gíria – “deu duas voltas ao mundo e nunca me escreveu”. Em conclusão: não desistir do que já desistiu de nós revela estupidez, e é contraproducente para a nossa felicidade.

Não é raro que haja alguém (ou algo) a aproveitar-se deste “apego”. O apego e a obsessão não são saudáveis. Note-se que isto é diferente de uma situação de reciprocidade (por exemplo, não é raro duas pessoas apaixonadas parecerem obcecadas uma pela outra). Aqui, trata-se de deixar de lado o que já não nos serve ou já não nos quer. O assunto é mudança. A não ser que goste de como está tudo e dos resultados que tem tido; nesse caso, não mexa em nada, o plantel está bem assim, não desista da sua equipa, ela joga bem.

Neste momento de início de ano, esta é uma boa reflexão: o que precisamos de abandonar para, finalmente, acelerar a vida? Para virar a página e entrar num novo ciclo? As coisas novas não começam sem que se diga adeus às antigas. As antigas não se fecham sem que tenhamos clara consciência do que precisa do nosso adeus. Difícil é ter a coragem desse adeus. Até porque às vezes não sabemos ouvir a nossa própria vontade, aquilo que intimamente está a gritar lá por dentro. Mas o nosso coração não mente. Nós sabemos instintivamente quando um ciclo precisa de ser encerrado na nossa vida. Podemos resistir e ficar paralisados. Logo, a primeira coisa a fazer é aprender a ouvir o nosso interior. Conhecermo-nos sem ignorância emocional.

Depois, depende das personalidades. Há quem tenha de ultrapassar a infantilidade de fazer planos megalómanos perante a realidade factual da vida. Viver acorrentado ao passado é ser eternamente assombrado por esses fantasmas. Já aprender com as memórias é não viver escravo delas. Mas para isso é preciso deixá-las ir. Aliás, devíamos substituir o verbo “desistir” pela expressão “deixar ir”. Ficava logo tudo mais leve, simples e aceitável. Até naqueles conselhos de guru de cabeceira o “let it go” é condição impreterível para atingir o nirvana, mas o “give up” já soa mal. Questão de perspectiva para uma mesma acção.

Outros precisam de deixar de se incomodar com as opiniões dos outros, vulgarmente conhecido por “aquilo que vão dizer”. Recordo um grande amigo que, prestes a licenciar-se em Bioquímica, decidi mandar tudo às urtigas para começar de novo e ser fisioterapeuta. Mas ainda hesitou por causa do que diriam as pessoas. Felizmente, também decidiu mandá-las pastar. O ser humano tem esta estranha faculdade de se importar muito com uma sociedade alheia a si, sem se lembrar que o pior tipo de traição é aquela que cometemos contra nós próprios.

Existem, é claro, outros factores que nos fazem hesitar em deixar de lado mesmo o que já não nos serve e até nos atrapalha. Nomeadamente, o facto dos nossos primitivos cérebros serem gananciosos por terem medo da escassez (é por isso que a maior parte de nós come uma caixa toda de chocolates em vez de um bombom só e é incapaz de tirar apenas uma batata frita!) e desses mesmos cérebros serem adaptativos… inclusive adaptam-se e acostumam-se ao que faz mal e à porcaria, ao ponto de se acostumarem a tudo de forma doentia. Há que fazer um esforço para sair da estagnação.

Conclusão: é positivo deixar de lado o que não retribui, para construir já um presente diferente e marcar encontro com um futuro melhor (com frases destas, estou apta a escrever livros de guru moderno!)