Na última edição do Fazendo, o Tomás
Melo escreveu um texto chamado What makes
Açores look like Açores? A pergunta é mais provocatória do que parece! Foi
assim que nos surgiu a ideia de tentar saber o que torna os Açores únicos. A
busca há-de continuar nas próximas edições do Fazendo. Para já, aqui ficam as
respostas a essa pergunta de alguns estrangeiros que moraram ou moram nos
Açores. Iniciámos a “busca” com estrangeiros porque nada mais claro do que o
olhar de quem aqui chega e se encanta (ou não…) De propósito, escolhemos
pessoas muito diferentes umas das outras. E, afinal, o que torna os Açores
especiais não é tão óbvio como se possa pensar!
Eleni Kouris (grega, empresária, vive nos Açores)
O oceano que rodeia os Açores dá-nos uma mensagem de tranquilidade mesmo no
Inverno; é selvagem e encantador! Quando, de manhã, passamos pela via rápida e
vemos os pastos e colinas verdes cheios de vacas, lembramo-nos que há um Deus e
que existe mais vida para além dos nossos dramas diários. O problema é que os
estrangeiros não são muito bem aceites porque a sociedade é muito fechada, e
isso faz com que a ilha se torne um pouco triste e melancólica!
Tom Quilty (inglês, consultor, viveu nos Açores)
É um sítio tão absolutamente diferente. A simpatia das pessoas, a
topografia da terra, a geografia das nove ilhas e a possibilidade de poder
escapar totalmente da vida citadina. Além disso, penso que o facto de sabermos
que estamos tão longe de uma plataforma continental tanto a este como a oeste
faz com que nos sintamos mais separados de tudo, e torna tudo mais remoto e
mais excitante.
Cátia Benedetti (italiana, professora e tradutora, vive nos Açores)
Os Açores têm para mim a dimensão social certa: uma comunidade humana em
que nem todos se conhecem, mas uma proximidade que nos protege das solidões
metropolitanas. Nem o sufoco dos grupos fechados, nem o anonimato que nos nega
o ser. Aqui todos, afinal, viemos de outro sítio qualquer, e longamente
descobrimos as nossas histórias, partilhando os destinos, as memórias e o
esquecimento. E depois: o mar, obviamente, a luz instável, a vegetação que logo
toma conta de qualquer espaço que o homem abandona. Os vulcões, os ventos, os
dias serenos e as chuvas torrenciais. Outras tantas lições de relatividade: a
noção da impermanência que realça o valor das existências individuais.
François Dalaine (francês, professor, viveu nos Açores)
Paisagens… Pouca gente mas boa gente que nos dá comida e boleia… Estar
fechado… O mar, baleias… Fajãs e caminhos… E uma amizade que não se esquece.
Irene Sempere (espanhola, bióloga marinha, viveu nos Açores)
O mar, a vida selvagem, as paisagens, a geotermia, o clima com quatro
estações num dia, a vida dos marinheiros que passam e as suas histórias. Os
Açores estão longe de ser as únicas ilhas que estão no meio do Atlântico, mas
há qualquer coisa de muito diferente num sítio onde há mais vacas do que
pessoas.
Eduardo Bettencourt Pinto (angolano, escritor, viveu nos Açores)
Em 2012, já não entro em Ponta Delgada como antigamente:
pela Avenida Mónaco abaixo sob uma dança de nuvens, até desembocar emocionado
na Rua de Lisboa. Logo a seguir, e voltando à esquerda na Rua da Vila Nova,
subir devagar, como quem bebe o passado, até à casa da minha mãe. Agora quando
saio do aeroporto, estou numa autoestrada europeia. No entanto, mesmo que
perdidas algumas referências, reconheço que estou na ilha e rente aos braços do
mar. Não sou objetivo, eu sei. Sou emocional. O amor, um grande amor, tem
destas coisas. A verdade, porém, é que os Açores não são apenas as inúmeras
vozes dos meus parentes e dos meus mortos. São também esta aliança de luz e
sombra, esta catarse, estas lágrimas de pedra que acaricio com o olhar na
viagem apaixonada pela cidade, passo a passo, redescobrindo em mim as mais
inextricáveis raízes.
Elena Brindani (italiana, pintora, viveu nos Açores)
Os Açores são uma terra de passagem para muitos. Para mim, representam o
período em que ganhei a independência verdadeira e só ficando tão longe do meu
mundo o podia conseguir. As ilhas ficam impressas na história da minha vida.
Gerbrand Michielsen (holandês, guia de
birdwatching, vive nos Açores)
Sempre sonhei viver perto do mar e num sítio onde pudesse apanhar o maior
peixe do mundo. Depois fiquei mais velho e o desejo do peixe mudou para o sonho
de encontrar o mais raro pássaro vindo do continente
americano. As paixões fazem-nos ficar amarrados a um lugar e nem mesmo o maior
temporal me podia agora arrancar destes rochedos verdes. A única razão que me
permite conseguir viver no meio do
oceano é que vivo em nove pequenos mundos e saltar de um deles para os outros
permite-me escapar da claustrofobia de cada um.
Anónima identificada (cidadã de Leste, professora, vive nos Açores)
É um povo com bom coração, caloroso e simpático. Mas, ao mesmo tempo,
percebes que afinal é obrigado a ser simpático para sobreviver, é uma questão
hipócrita. A “simpatia” alimenta a vida social num meio muito fechado e as
pessoas usam isso para nunca serem odiadas pelos outros – é uma forma
conveniente de existir. A nível profissional, a vida torna-se muito fácil,
porque as pessoas são pouco exigentes, têm poucos objectivos de vida e dão
muita “graxa”. Quanto mais vives assim, mais percebes que não é aceitável mas
por outro lado já estás adaptado porque se não fizeres o mesmo não sobrevives.
A natureza é óptima. Mas, culturalmente,
faltam um teatro de ópera, um ballet e admiro-me como é possível viver assim… Para
mim, este choque cultural foi e é enorme.
Ninguém cumpre prazos nem horários; as reuniões de trabalho não servem para
resolver nada, servem para dizer mal de quem não está e concluir que não
podemos modificar o estado geral. Mas o lado positivo é que as pessoas têm um
grande sentido de humor e divertem-se com tudo.
Resumindo, a característica principal é o isolamento: Açores estão à parte
do mundo, separados. Vivemos como que “a fingir”. O que quer que seja que se
consiga, o comentário é “está muito bom, assim já é muito bom!” e nada avança
para realmente bom. Os Açores são um paradoxo: um paraíso que te permite
desligares-te do mundo, mas vivendo sempre dependente dele!
Jorge Bonet (espanhol, biólogo, viveu nos Açores)
São um lugar onde o ritmo de vida é mais lento para que se possa aproveitar
a natureza que nos rodeia. Podes aí dar-te conta da imensidade do oceano e das
maravilhas que o habitam. Outra coisa interessante destas ilhas é o modo como
as tradições e costumes variam de umas para as outras, mesmo no que diz
respeito à personalidade – base dos habitantes de cada ilha. Cada ilha é muito
singular, embora pertença ao conjunto Açores.
A riqueza dos Açores também se mede pela gastronomia e aí os Açores estão
em muito boa posição, porque têm uma excelente variedade culinária.
A nível pessoal, conheci gente incrível. Não os vejo muito, mas continuam a
fazer parte da minha vida. Quem vai aos Açores, enamora-se das ilhas e não as
pode esquecer.
Emilie Speleman Smith (sueca, empresária, vive nos Açores)
A maneira como o sol torna as casas amarelas durante o amanhecer; as
colinas e os picos verde-profundo; o
Ilhéu da Vila; as hortênsias que cobrem a ilha e a fazem tão bonita no Verão… à
distância parecem minhocas que se alongam, criando túneis pelas estradas; a cor
do oceano.
Davide Alfano (italiano, músico, viveu nos Açores)
O cheiro do mar… a solidão e a imensidade no mesmo instante. Um dia,
andando nas ruas de S. Miguel, sentei-me frente ao mar e um senhor começou a
falar comigo e disse-me que cada pessoa que de alguma forma na sua vida
compartilhou aí um olhar, uma emoção durante um dia ou um ano, ficará para
sempre nos Açores. Mas também me disse que nascer e viver nos Açores pode, para
muitas pessoas, ser uma limitação… mas na verdade é um privilégio para poucos.
O que torna os Açores únicos para mim é que me deram esse privilégio e mudaram
a minha vida para sempre.
Sabrina Steinmuller (belga, fotógrafa, viveu nos Açores)
Um pequeno paraíso em pleno oceano Atlântico, onde cada
das 9 ilhas é um caleidoscópio de paisagens e gentes com tradições, vivendo em
equilibro com uma Natureza muito bela e tão diversa!
(as fotos que acompanham estas entrevistas são da autoria da própria Sabrina aquando do tempo em que morava nos Açores)