Este foi um ano como nenhum outro. Fronteiras fechadas, aviões parados, limites nas estradas, concelhos e cidades. Abraços proibidos, beijos nem pensar e apertos de mão só de luva, máscaras a tapar o rosto de todos neste mundo, tornando completamente obsoleto o debate que ainda há pouco tínhamos sobre se era adequado, digno ou civilizado tapar a cara com burka. Prateleiras de supermercado vazias e faltas de papel higiénico – esse bem essencial, que nos recordou certo regresso ao minimalismo quanto ao que realmente importa neste mundo. Proibição de ajuntamentos de pessoas e mesmo de receber pessoas em casa ou de ir visitar os familiares. Escolas fechadas. Escritórios sem ninguém, e tudo a trabalhar à distância. Pessoas com medo de espirrar, não fosse alguém pensar que sofrem da “doença”. Outras sofrendo, mas da mente, porque a falta de liberdade e o confinamento não combinam com certos temperamentos livres.
Algumas indústrias sofreram muito este ano devido à pandemia, nomeadamente
o turismo e a educação superior, com turistas e alunos a desistirem de embarcar
em mais uma viagem ou curso. Não confundir aqui turistas com alunos. A minha frase,
gramaticalmente ambígua, não pretende equiparar uns e outros, embora haja
alunos que turistem pela Universidade tal como há turistas que aprendem muito nas
viagens.
Outra indústria que sofreu muito com a Covid-19 foi o sector da moda. Quando
a grande recomendação (ou mesmo lei!) é ficar fechado em casa, não há motivação
para roupas, acessórios, cabeleireiro, unhas e maquilhagem. Por mais que digam
que nós nos arranjamos para nos sentirmos bem connosco mesmos, todos sabemos
que o olhar do outro tem grande peso quanto às escolhas que fazemos
relativamente à nossa apresentação. Mesmo quem escolhe ser original e
diferente, fá-lo com a intenção que prevê o olhar de alguém, porque é impossível
ser “contra a maré” se não houver “maré” na sociedade que nos observa.
Com o advento da Covid, a sociedade passou a observar o individuo através
do ecrã do computador e isso de moda(s) tornou-se um fogo-fátuo, observável da
cintura para cima (e ainda assim apenas e só quando se liga a câmara). Já não
se trata do “Prêt à Porter” mas sim do “Prêt à se détendre”, isto é, passamos
do Pronto a Vestir ao Pronto a Relaxar. E já nem falo de subculturas como a
Alta Costura (coitada!), ou a Streetwear (necessariamente morta e enterrada
devido ao próprio nome). Apenas o minimalismo e o lounge wear imperam. É a moda
do tipo que se levanta da cama e segue para o sofá onde mete o computador em
cima dos joelhos, para no fim do dia se levantar do sofá e ir deitar-se na
cama, ostentando sempre o mesmo pijama de flanela aos quadrados, mais sujinho à
noite, com marcas de molho bolonhesa do esparguete de lata consumido em frente à
TV.
Para quem sai de casa, existe a moda das máscaras decoradas -algo
absolutamente contra-producente a nível de saúde. A máscara, que devia ser de
usar e deitar fora, por razões mais do que óbvias, passa a ser de usar para
olhar, admirar, cobiçar, invejar. Nem o vírus resiste a tocar-lhe, tao bonita
que é.
Para quem tem reuniões de trabalho e aulas online, é imprescindível
aparecer vestido com certo primor da cintura para cima. Mas não muito porque
demasiado dá ar de quem vai sair e eventualmente fazer algo ilegal como sair
dos limites do concelho. Da cintura para baixo, o normal é estar de cuecas
velhas e de pantufas, secretamente gozando o prazer de estar tão desleixado em
frente ao patrão ou ao professor (que goza do mesmo secreto gosto, enfim, um
prazer não declarado que a todos une na mesma conversa online). Junta-se aquela
canecazinha de chá ou de café sempre ali ao lado, para além do desinfetante com
álcool porque nunca se sabe…
Há ainda outro momento extremamente deprimente que são os encontros
amorosos virtuais, onde já ninguém tem paciência para as lingeries e o look acaba
mesmo por ser aquela t-shirt branca velha, com que se dorme e se limpa a casa
no dia a seguir.
Maquilhagem é coisa que já não se usa. Não é necessária, quando estão disponíveis
tantos filtros nas apps virtuais, filtros que fazem a cara mais olheirada e
descompensada tornar-se uma estrela de Hollywood em três segundos.
Esta moda Covidwear convida ainda todos a experimentar o plus-size porque
comemos mas não nos mexemos o suficiente.
Enfim, um ano deprimente para a moda. Quem não é visto não é apreciado.